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terça-feira, 26 de setembro de 2023

PERDÃO, UMA JORNADA RUMO À LIBERDADE

 

Conta-se que Deus, certa vez, convocou um de seus anjos e lhe disse:

Quero que você encontre a qualidade mais esplêndida que existe na experiência humana e volte para me contar qual é." O anjo procurou pelo mundo. Ele viu muitas coisas. Mas o que mais o impressionou foi um evento no qual um homem parecia estar confuso e estava parado bem no meio de uma rua movimentada. Um outro homem que estava ali, na calçada, viu que um caminhão enorme estava se aproximando em grande velocidade e que não teria tempo de parar antes de atropelar o homem que parecia aturdido. Então, o homem que estava vendo a cena correu para o meio da rua e alcançou o outro a tempo de empurrá-lo para longe da passagem do caminhão. Lamentavelmente, ele não pôde salvar-se e foi atropelado e morto pelo caminhão. O anjo recolheu uma gota de seu sangue e levou para Deus, dizendo: "Creio que isso é a coisa mais esplêndida na experiência humana: a disposição de sacrificar a própria vida pela vida de seu semelhante." Deus respondeu ao anjo: "Você encontrou uma experiência admirável, mas não é a mais esplêndida. Volte e encontre-a."

O anjo voltou para a Terra e retomou sua busca. Examinou o mundo e, dessa vez, o anjo foi atraído pela experiência de uma mulher dando à luz. A mulher estava gemendo e se retorcendo de dor, até que o bebê nasceu. Assim que ela viu a criança, sua dor desapareceu e uma morna sensação de êxtase a encheu de amor. O anjo estendeu a mão, colheu uma gota de suor da parturiente e voltou, dizendo para Deus: "Creio que isso pode ser a coisa mais esplêndida na experiência humana: trazer uma vida ao mundo." Novamente, Deus disse ao anjo: "De fato, esta é uma experiência excelente, mas não é a mais esplêndida. Tente mais uma vez."

Então, o anjo voltou mais uma vez, a fim de encontrar a experiência humana mais esplêndida. Ele procurou com muito cuidado e, sendo um anjo, podia ver milhares de eventos ao mesmo tempo. De repente, algo chamou sua atenção. Um homem estava correndo por um bosque, e via-se claramente que ele estava possuído por sentimentos violentos. O anjo rapidamente passou a vida deste homem em revista e ficou sabendo que ele acabara de sair da prisão, onde cumprira anos de cadeia por um crime cometido por outra pessoa. Agora, furioso, ele ia procurar se vingar. O anjo o seguiu pelo bosque e viu quando ele se aproximou de uma cabana. O culpado morava lá. Ele é que deveria ter cumprido a pena. Quando o homem que estava correndo chegou perto da casa, viu que uma janela estava iluminada. Parado ao lado da janela, ainda com a intenção de vingar-se, ele olhou para dentro e viu sua futura vítima. O homem e sua mulher — com quem se casara um ano antes — tinham acabado de voltar do hospital com sua filha recém-nascida. Eles estavam muito felizes... O homem, que estava furioso, olhava pela janela, observando cuidadosamente e, aos poucos, seu coração foi se partindo em pedaços. Ele começou a chorar, retornou para o bosque e nunca mais voltou. O anjo recolheu uma de suas lágrimas, voltou a Deus, dizendo: "Creio que isso é a coisa mais esplêndida na experiência humana — o perdão: a habilidade de transcender a raiva, o ódio e o desejo de vingança." Deus felicitou o anjo, dizendo: "Certamente, a capacidade de perdoar é o dom mais esplêndido da experiência humana. Muitas outras coisas também são importantes, mas esta característica é uma que distingue o potencial humano. É imperativo que você entenda o perdão; é só por este motivo que minha criação continua. Na ausência do perdão, tudo desapareceria num clarão instantâneo.


A narrativa, veiculada pela literatura mística judaica, postula que a capacidade de perdoar é o dom mais sublime da experiência humana. O perdão representa a habilidade de superar sentimentos de raiva, ódio e o anseio por vingança.

No "Evangelho Segundo o Espiritismo", no capítulo 10, item 7, uma lição de conteúdo similar é apresentada sob o título "O Sacrifício Mais Agradável a Deus". Kardec, fazendo referência a Mateus, 5:23 e 24, instrui-nos acerca do perdão aos males que possamos ter infligido a outrem e sobre nossa habilidade de desculpar as injúrias recebidas, ressaltando a necessidade de reconciliação e de superação de ressentimentos e animosidades.

Quando somos os perpetradores de uma ofensa, é crucial reconhecer o erro e buscar o ofendido para apresentar um pedido de desculpas. Contudo, muitas vezes, apenas o pedido de desculpas não é suficiente. Torna-se imperativo reparar integralmente o mal perpetrado contra outrem.

Neste sentido, o espírito Emmanuel, no livro “O Consolador”, na questão 135, ao discorrer sobre o mal e o resgate, instrui que o mal é a intervenção indevida Harmonia Divina. E o resgate é equivalente à restauração dos elos sagrados sublimes dessa Harmonia sublime. Ele enfatiza a necessidade de restaurar o equilíbrio e a ordem, corrigindo os erros e as transgressões cometidas, como meio de alcançar a reconciliação e a redenção. Este é o percurso da alma que cometeu um equívoco, uma vez que errar é inerente ao processo de aprendizado do espírito imortal. Ao cometer um erro, o espírito busca reparar todo o dano causado, em um esforço contínuo para aprender e evoluir.

Por outro lado, em outras ocasiões, somos nós os ofendidos. Diante de uma ofensa, restam-nos apenas dois caminhos a seguir: a revolta ou o perdão. A revolta, nutrida por sentimentos de raiva, ódio e anseio de vingança contra o ofensor, nos vincula a ele, pois passamos a ressoar na mesma frequência vibratória na qual ele se encontra. Sem contar que tais sentimentos atuam como dardos envenenados que prejudicam unicamente aqueles que os acolhem no coração, provocando, em muitos casos, danos potencialmente mais severos do que o mal originalmente infligido pelo ofensor.

Contudo, o perdão é a virtude mais desafiadora a ser cultivada, uma vez que perdoar demanda um significativo esforço de autossuperação. Por essa razão, o perdão não é um presente que podemos distribuir levianamente. Ao contrário, o perdão é um processo com início, meio e fim. Representa um trajeto, uma jornada de amor e generosidade.

A palavra "perdão" por si só nos revela indícios de sua natureza profunda e integral. Ela deriva do latim “perdonare”, onde “per” é uma preposição que denota intensidade, e “donare” significa “dar, presentear”, portanto, sugere o ato de dar intensamente. De maneira análoga, temos a expressão "percurso", também de origem latina, que simboliza um trajeto completo a ser percorrido. O ato de perdoar, assim, demanda de nós um percurso, uma jornada, uma caminhada introspectiva, pois existem circunstâncias em que a dor e o trauma são tão intensos que impedem que o perdão seja concedido de imediato. Existem situações em que o processo de perdão se estende por anos e até mesmo por várias encarnações. 

É por isso que o perdão é uma virtude que demanda tempo. Ele envolve um processo de reflexão, compreensão e aceitação que não pode ser apressado e necessita de um período de maturação e introspecção para se tornar genuíno e efetivo. É uma jornada de autoconhecimento e crescimento pessoal que conduz à reconciliação, à paz interior e à liberdade, visto que o perdão rompe todas as algemas que nos atavam ao ódio e ao ressentimento.

Perdoar não significa esquecer, pois é a memória que nos confere experiência e aprendizado. Perdoar é recordar sem sentir dor. Quando a recordação de um mal não provocar mais nenhum desconforto emocional, é sinal de que o perdão foi, de fato, alcançado. 

No entanto, durante a jornada em prol do exercício do perdão, cuja duração pode variar dependendo da disposição do indivíduo em exercê-lo e, ainda, da intensidade da dor provocada pelo mal praticado, o mais crucial é manter-se aberto à possibilidade do perdão, desvitalizando todo sentimento de mágoa e ódio e vingança, que, naturalmente, podem surgir no âmago do ser. 

O perdão não possui o poder de eximir o ofensor de enfrentar a lei divina. Você pode perdoá-lo "70x7", conforme aconselhado por Jesus, mas o ofensor terá de reparar todo o mal praticado, tantas vezes quantas o tenha cometido. O perdão é uma virtude que liberta exclusivamente aquele que o concede. Quando você perdoa, liberta-se da mágoa, do ódio, do ressentimento e da revolta. Isso porque os sentimentos de mágoa, ódio, dor e ressentimento que cultivamos em razão do mal que nos foi feito, frequentemente, causam mais danos à nossa saúde física e mental do que o próprio mal que nos foi infligido. 

Perdoar é a habilidade de transcender a raiva, o ódio e o desejo de vingança. E, como qualquer habilidade, exige prática e repetição contínua.

Que possamos, com o auxílio dos bons espíritos e amparados pela infinita misericórdia de Deus, desenvolver a habilidade do perdão, exercitando-o diariamente em nossas vidas, nas experiências do cotidiano, buscando, cada vez mais superar nosso egoísmo e orgulho, a fim de nos aproximar, cada vez mais, da verdadeira essência divina.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

AMAR OS INIMIGOS












Se o amor ao próximo constitui o princípio da caridade, o amor aos inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, pois a aquisição dessa virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho.

No entanto, a tarefa é de difícil realização. Talvez nenhum ensinamento de Jesus seja tão difícil de ser seguido quanto o mandamento "amai os vossos inimigos". Há mesmo quem, sinceramente, julgue impossível colocá-lo em prática. Consideramos fácil amar quem nos ama, mas nunca aqueles que, aberta ou insidiosamente, procuram nos prejudicar.

Já sabemos que o próximo é todo aquele que está ou se coloca à nossa volta. Mas e o inimigo? Quem é o inimigo? No dicionário Aurélio, encontramos o seguinte conceito, dentre outros: inimigos são aqueles que nos fizeram algum mal. Pessoa nociva.

Jesus, aparentemente, pede para amarmos aqueles que nos fizeram mal. Como podemos sentir afeição por alguém cujo intento é nos esmagar ou colocar inúmeros e perigosos obstáculos em nosso caminho? Como podemos gostar de quem ameaça os nossos filhos ou assalta as nossas casas?

Quando Jesus disse: "Amai os vossos inimigos", Ele não ignorava a dificuldade dessa imposição e conhecia bem o significado de cada uma das suas palavras. A responsabilidade que nos cabe, como cristãos, é descobrir o significado desse mandamento e procurar vivê-lo durante toda a nossa vida.

"O Evangelho Segundo o Espiritismo", ao tratar do tema, esclarece que há um equívoco no tocante ao sentido da palavra amar. Jesus, ao falar assim, não pretendeu que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança. Ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que ela lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela um sentimento de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude.

Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam das mesmas ideias. Enfim, ninguém pode sentir, ao estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo.

Além disso, a repulsa que naturalmente se sente na presença de um inimigo resulta mesmo de uma lei da física: a lei da assimilação e da repulsão dos fluidos. Sabemos que o pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não significa que não podemos fazer diferença alguma entre eles e os amigos.

Amar os inimigos não é ir ao encontro deles, abraçá-los e beijá-los. Isso é tarefa para os milênios futuros. Amar os nossos inimigos, se os tivermos, ainda que supostamente gratuitos, é jamais lhes guardar ódio, é perdoá-los sem pensamentos ou intenções ocultas, é nunca lhes opor obstáculo à reconciliação, desejando-lhes sempre o bem e até vibrando de contentamento, quando formos informados de um grande bem que lhes advenha; numa palavra, não guardar contra eles qualquer ressentimento.

Sempre que nos surpreendermos na emissão natural ou espontânea de um pensamento de amor, em favor de alguém que haja procedido mal para conosco, recolheremos o testemunho de um coração em processo de espiritualização.

Diante de um mal que alguém nos faça, deixar de pensar em vingança, deixar de nutrir ódio e ressentimento, trabalhar os sentimentos para vencer a dor que o mal nos causou, significa cumprir o apostolado do Cristo. Quem age assim está amando o inimigo, conforme nos ensinou Jesus.

São muitos os que dizem trazer Jesus no coração, mas isso não basta. É preciso colocar Jesus em nosso comportamento e retribuir o mal com o bem. E Ele disse ainda: "Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra."

É claro que este preceito não deve também ser interpretado literalmente. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da natureza, obsta que alguém estenda o pescoço ao assassino. Ao enunciar aquela máxima, Jesus não pretendeu proibir o ato de defesa, mas condenar a vingança. Quando disse para darmos a outra face àquele que nos haja batido numa, quis dizer, na verdade, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória terá ao ser ofendido do que ofender, que mais felicidade terá ao suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganar, ser arruinado do que arruinar os outros