Todo aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as pratica, será comparado ao homem prudente, que edificou sua casa, cavou fundo, aprofundou e colocou os alicerces sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos, precipitaram-se contra aquela casa, mas não desabou pois fora edificada sobre a rocha. Mas o que ouve as minhas palavras e não pratica será comparado ao homem tolo, que edificou sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos, chocaram-se contra aquela casa; desabou, e foi grande a sua queda. Mateus 7:24-27 e Lucas 6:46-49.
A parábola dos dois alicerces, com as luzes que lhe são projetadas pela revelação espírita, permite-nos compreender que Jesus falava sobre dois padrões mentais, dois níveis de consciência.
No primeiro nível, representado pelo homem prudente (lúcido e desperto), temos a imagem do ser que faz o movimento para dentro de si (autoconhecimento). O homem aprende as lições de Jesus e as incorpora em seu comportamento, ou seja, ele vivencia as experiências da vida de acordo com o que aprendeu com o Cristo. Ele é consciente, tanto do ponto de vista psicológico quanto espiritual, de que sua felicidade não reside em atender às demandas do ego. Ele compreende que as lições do Mestre constituem um roteiro seguro para a conquista da saúde, da paz, da plenitude espiritual e da felicidade. Por isso, ele coloca em prática aquilo que aprende.
No segundo nível de consciência, representado pelo homem tolo, observamos a imagem de alguém que se direciona para o exterior, para o mundo ao seu redor. Assim, ele absorve os ensinamentos de Jesus, mas não consegue vivenciá-los. Isso acontece porque a criatura humana que ainda não despertou para a realidade superior da vida se dedica principalmente aos aspectos materiais e à satisfação das necessidades fisiológicas. Embora ele ouça os ensinamentos de Jesus, a imagem do Mestre continua sendo algo simbólico ou uma realidade distante de sua própria existência.
De forma concisa, podemos compreender que o primeiro homem prudente se concentra em seu mundo interior, enquanto o segundo homem está voltado para o mundo exterior. Um vive no reino de Deus, que está dentro, enquanto o outro vive no reino do mundo, que está fora. O primeiro encara as experiências da vida com clareza espiritual; o segundo ainda está adormecido do ponto de vista psicológico e espiritual. O primeiro escuta as lições de Jesus e prontamente se esforça para colocá-las em prática; o segundo ouve as lições, aprecia-as muito, as considera belíssimas, mas não as incorpora, pois não encontra a disposição interna para fazê-lo.
De acordo com a parábola, o primeiro padrão de consciência consegue enfrentar as provações e expiações que lhe são apresentadas. Ele aceita sua natureza espiritual imperfeita e é capaz de dominar os impulsos do ego. Por outro lado, o segundo padrão de consciência não consegue lidar com as provações mais desafiadoras, nem mesmo é capaz de aceitar sua própria imperfeição espiritual. Ele não consegue controlar os impulsos provenientes do inconsciente e, como resultado, ele sofre com doenças, vícios variados, depressão e, em situações extremas, pode até recorrer ao suicídio. A parábola enfatiza que a queda desse segundo padrão de consciência é significativa e dramática.
O evangelho de Jesus ilustra esses dois padrões mentais através das figuras de Judas e Pedro. Ambos conviveram com o Cristo e absorveram seus ensinamentos, mas quando confrontados com provações, ambos acabaram traindo o Mestre.
Judas, movido por ambições pessoais, o traiu por trinta moedas de prata, revelando uma falta de comprometimento com os princípios e ensinamentos recebidos. Sua traição representa a falha de um padrão de consciência que não conseguiu resistir às tentações mundanas. E, ao tomar consciência do grande erro praticado, não consegue suportar-se e acaba cometendo suicídio, pois sua casa estava edificada sobre a areia.
Por outro lado, Pedro, que nutria profunda lealdade e amor por Jesus, encontrou-se em um momento de fraqueza e negou conhecê-lo em três distintas ocasiões durante Sua prisão. Isso reflete um momento de fraqueza, onde Pedro cedeu ao medo e à pressão social, contrariando os princípios que havia aprendido com o Enviado.
No entanto, quando o galo canta pela terceira vez, Pedro percebe o equívoco cometido e empreende um movimento para reparar sua própria vida e reconstruí-la, tornando-se um dos maiores baluartes do cristianismo primitivo, porque sua casa estava edificada sobre a rocha.
Pedro movimentava-se para dentro, enquanto Judas voltava-se para o mundo exterior.
Ambos os casos destacam a dualidade da natureza humana, onde a capacidade de viver de acordo com os ensinamentos espirituais pode ser desafiada pelas fraquezas e tentações do mundo material. É um lembrete de que até mesmo aqueles que aprenderam diretamente com Jesus não estavam imunes às lutas internas entre os padrões de consciência.
Para identificarmos em que nível de consciência nos encontramos nesta encarnação atual, basta refletirmos sobre a frase proferida por Jesus: "Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.”
E onde está o nosso tesouro? Ou seja, quais os aspectos da vida nos chamam mais atenção? Com o que nos ocupamos e nos preocupamos? Que tipo de pensamentos temos alimentado e nutrido?
As respostas a essas perguntas informam como estamos gastando a nossa energia psíquica e isso determina o nosso nível de consciência, não do ponto de vista fisiológico, mas sim do ponto de vista espiritual. No entanto, se as nossas reflexões indicarem que estamos seguindo o mesmo padrão mental do homem tolo, é importante considerar os esforços que podemos fazer com Jesus para alcançar o padrão mental que já vislumbramos e desejamos atingir.
E, para isso, a doutrina espírita vem ao nosso socorro para nos ensinar como proceder. A questão 919, do Livro dos Espíritos, nos indica o caminho: "Conhece-te a ti mesmo." O Espírito Santo Agostinho nos orienta sobre como percorrer essa trajetória indicada.
Construir a casa sobre a rocha, vivenciando os ensinamentos de Jesus, é uma tarefa que ocorre no mundo íntimo. Contudo, a edificação dessa estrutura no campo dos sentimentos requer um esforço árduo e contínuo de autoconhecimento.
Isso possibilita que o indivíduo reduza as demandas do ego e, aos poucos, as supere, abrindo espaço para a manifestação do Eu interior (Self).
É o homem velho dando lugar ao homem novo. Não se trata de uma batalha interna, mas sim de iluminar as sombras internas, conforme o convite de Francisco de Assis: "Onde houver trevas, que eu leve a luz.”
Este é o propósito do autoconhecimento: iluminar nossa mente interior para que, ao sermos iluminados pelo conhecimento e pela vivência dos ensinamentos do evangelho de Jesus, possamos percorrer nosso caminho sem tropeços.