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domingo, 5 de março de 2017

JESUS E JUDAS


Reunido com os discípulos durante a última ceia, Jesus anunciou que seria traído ainda naquela noite por um dos presentes à mesa. O clima de despedida que permeava o banquete foi abruptamente interrompido, dando lugar a uma desconfiança mútua entre os discípulos sobre quem seria o "traidor".

Diante do impacto causado por sua revelação, o Mestre optou por ser indireto e afirmou que o traidor seria aquele a quem ele oferecesse um pedaço de pão. O Evangelho de João, no capítulo 13, versículos 26 e 27, relata que Jesus entregou o pão a Judas, dizendo: "O que tens para fazer, faze-o logo". Judas, após comer o pão oferecido por Jesus, levantou-se e saiu.

A frase é intrigante e tem gerado diversas especulações entre os estudiosos do Evangelho. O que Jesus quis dizer a Judas ao instruí-lo a agir rapidamente? Naquela mesma noite, poucas horas após a ceia, Jesus seria preso. Ele estava ciente de tudo que estava sendo tramado às suas costas, graças às suas habilidades anímicas, incluindo a clarividência. Ele sabia do envolvimento de Judas com Caifás. Então, por que pediu que Judas agisse depressa?

Muitas questões surgem a partir do texto. Jesus estaria incentivando Judas à traição? Judas reencarnou apenas para trair Jesus e passar milênios sendo odiado pela humanidade? E quanto à lei do livre-arbítrio e à responsabilidade de Judas perante a lei divina? Afinal, após trair Jesus, Judas se suicidou.

Para uma compreensão espiritual e profunda do texto, é imprescindível transcender a leitura superficial. Sabendo que seu tempo na Terra estava chegando ao fim, Jesus tentou despertar Judas para os aspectos sombrios de seu inconsciente. Era uma estratégia terapêutica, visando levar o discípulo a se autoexaminar e confrontar sua própria "sombra".

A "sombra" é um termo que define os aspectos negativos do inconsciente, as imperfeições morais ainda desconhecidas pelo indivíduo, mas armazenadas em seu interior. Para a evolução consciente é crucial integrar e harmonizar os aspectos sombrios do próprio ser.

Judas, como muitos seres humanos, estava preso às suas imperfeições morais. Sua sombra mais densa ocultava uma paixão indomável pelo poder material e efêmero. Embora todos os outros discípulos também tivessem imperfeições a superar, as falhas morais de Judas o levaram a cometer um grave erro contra si mesmo: o suicídio.

O que Judas tinha a fazer? Para que ele nasceu? Ele viveu ao lado de Jesus durante todo o seu ministério, recebendo ensinamentos que edificam a alma. Aquele momento final era crucial para Judas; era a hora de enfrentar seus demônios internos e vencer a si mesmo. Se tivesse optado por seguir os ensinamentos de Cristo, teria cumprido sua missão. No entanto, escolheu o caminho do sofrimento.

"O que tens para fazer, faze-o logo." 

Há uma frase popular que diz que os dias mais importantes de nossas vidas são dois: o dia em que você nasceu e o dia em você que descobre para que nasceu. Os espíritas sabem que nasceram para evoluir moral e espiritualmente, mas essa evolução exige a superação das imperfeições morais. E Jesus nos insta a agir rapidamente naquilo para o qual viemos ao mundo.

O momento presente é o melhor de todos, pois se não aproveitado, a oportunidade e a encarnação passam, como um rio que flui e não retorna. 

Chico Xavier frequentemente nos advertiu que, segundo os espíritos, um dos dilemas mais angustiantes enfrentados ao adentrar o mundo espiritual é a dolorosa consciência do tempo desperdiçado em vida.

Pensemos nisso! Afinal, a oportunidade de crescimento e transformação está sempre ao nosso alcance, mas é nossa responsabilidade agarrá-la antes que o tempo se esgote.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A FIGUEIRA QUE SECOU



O Evangelho de Marcos, no capítulo 11, versículos 12 a 20, narra que Jesus caminhava rumo a Jerusalém na companhia de seus discípulos. Em dado momento da caminhada, diante de uma figueira com folhas verdes e sentindo fome, aproximou-se para colher algum fruto. Ao verificar a ausência de frutos — até porque não era tempo de figos —, disse à figueira que nunca mais produziria frutos.

Ao retornar de Jerusalém rumo à Galileia, percorreu o mesmo trajeto da ida, e os discípulos notaram que a figueira realmente secara desde a raiz. Então Pedro comentou: 'Mestre, eis que a figueira que amaldiçoaste secou.'

A leitura dessa passagem causa perplexidade a qualquer leitor, que fica a se perguntar como é possível que Jesus, o Mestre do Amor, amaldiçoe uma árvore só porque ela não lhe ofereceu um fruto fora da estação.

Embora certos comportamentos de Jesus possam parecer estranhos à primeira vista, é importante entender que o Mestre não transmitia seus ensinamentos apenas por meio das palavras, mas sobretudo através de suas ações. E toda ação de Jesus carrega um conteúdo superior que exige do intérprete um mergulho espiritual na lição do Cristo.

A representação da figueira que não deu frutos temporãos para saciar a fome de Jesus é apenas o contexto que o Mestre utilizou para canalizar a lição transmitida. Aquela figueira não podia ter frutos; tanto é que o evangelista Marcos fez questão de ressaltar que não era época de figos. No entanto, aquela figueira estava exuberante em folhas, porque era uma árvore que se adiantou e encheu-se de folhas, criando assim a expectativa de figos.

A imagem é simbólica e, em se tratando de símbolos, é imprescindível buscar no Antigo Testamento o significado simbólico das representações que compõem o quadro desta passagem narrada em Marcos.

No livro do profeta Oséias, que viveu em 700 a.C., no capítulo 9, versículo 10, está narrado: 'Achei Israel como uvas no deserto, vi vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio.'

O profeta Oséias compara o povo hebreu a um figo temporão na figueira. Temporão porque aquele era um povo que estava à frente dos outros povos da época. Os hebreus estavam numa situação espiritual mais avançada em relação aos seus contemporâneos: os egípcios, os babilônios, os sírios e todo o povo do Oriente Médio.

Os hebreus já tinham avançado espiritualmente a ponto de assimilar as leis morais que Moisés trouxe, sobre a existência de um Deus único, criador de todas as coisas. Os hebreus eram um povo à frente dos outros; por isso, os profetas os comparavam a uma árvore temporã.

Mas adiante, prossegue Oséias, dizendo:” Achei Israel como uvas no deserto, vi vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio, mas eles foram para Baal-Peor, e se consagraram a essa vergonha, e se tornaram abomináveis como aquilo que amaram.

Baal-Peor está relacionado ao culto de uma divindade de pedra que incluía orgias sexuais de irrestrita devassidão. Por isso, o profeta Oséias, que viveu 700 anos depois de Moisés, lamenta que o povo hebreu, destinatário da primeira revelação, em vez de se conduzirem movidos por essa nova regra de conduta, demonstravam ter falhado no projeto.

O povo hebreu, mesmo tendo conhecimento das leis divinas trazidas por Moisés, continuou se entregando às práticas mais grosseiras e ignorantes. Por isso, o profeta Oséias comparou o povo que recebeu a primeira revelação a uma fruta temporã que, infelizmente, falhou na sua missão

O profeta Miquéias, capítulo 7, versículo 1, diz o seguinte:

Ai de mim! Porque estou como quando são colhidas as frutas do verão, como os rabiscos da vindima: não há cacho de uvas para comer, nem figos temporãos que a minha alma desejou.

Rabiscos da vindima são os restos de uma colheita de uva. Era comum os camponeses deixarem, durante a colheita, parte dos frutos nas videiras e nas oliveiras para que os pobres se saciassem.

Essa manifestação de Miquéias se apresenta como um verdadeiro desapontamento com a situação de Israel; por isso, compara o seu desalento ao desalento de alguém que vai apanhar os rabiscos das vindimas e nada encontra.

Todavia, Miquéias, ao dizer que não encontrava 'nem figos temporãos que a minha alma desejou,' revela que a natureza de sua fome é espiritual, posto que procedia da alma. E é exatamente essa a fome que Jesus desejava saciar: a fome da alma.

O Mestre enviou, por mil e quinhentos anos, vários profetas para preparar o solo dos corações para a semeadura que ele faria. E quando Ele vem, trazendo a mensagem luminosa do Amor, é natural que, antes de partir (pois essa passagem da figueira acontece uma semana antes de sua crucificação), Ele demonstre ter fome — mas uma fome de colher resultados à altura do investimento espiritual.

No entanto, a árvore só apresentava folhas; não tinha frutos. Então, Ele diz: 'Nunca mais ninguém coma fruta dessa figueira,' ou seja, a missão de iluminar os corações seria retirada do povo hebreu e transferida a outro povo.

Dois mil anos depois, Humberto de Campos, pela psicografia de Chico Xavier, entrega a obra 'Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.' No primeiro capítulo, há um diálogo entre Jesus e Helil, no qual o Mestre assevera em um determinado trecho:

'Para esta Terra maravilhosa e bem-dita, será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fértil, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal.

O verbo empregado por Jesus chama a atenção: 'transplantar'. Apontando o território brasileiro, Ele diz que nessa terra a árvore do Seu evangelho será transplantada, ou seja, vem para cá porque foi retirada de outro lugar.

O símbolo da árvore atravessou o tempo. Allan Kardec, quando terminou de compilar as informações do mundo espiritual, reunindo-as no 'Livro dos Espíritos', recebeu da equipe do Consolador instruções a respeito da ilustração que deveria estampar a capa do livro. Curiosamente, era mês de abril, não era tempo de figo, nem de uva, mas os espíritos disseram a ele: 'Desenha o ramo de uma videira, desenha um cacho de uva, porque esse é o emblema do trabalho do Criador. O espírito é uma videira. Deus é o agricultor, e Ele espera colher uva de nós.' (Prolegômenos).

O Brasil recebeu a árvore do Evangelho de Jesus que fora transplantada. A nossa missão é iluminar os corações, começando a tarefa pela nossa própria edificação íntima, porque ninguém conseguirá êxito na tarefa de modificar o mundo sem iniciar primeiro a própria transformação moral.