Betsaída era uma aldeia de pescadores situada ao nordeste do Mar da Galiléia, próxima a cidade de Cafarnaum, muitas vezes visitadas por Jesus.
Certa vez, quando o Mestre estava passando por aquele lugar, Ele foi solicitado a curar um cego, como é relatado no Evangelho de Marcos 8:22-26.
O texto não menciona o nome do homem, apenas relata que ele enfrentava a dura provação da cegueira, que o impedia de se relacionar com o mundo exterior por meio do sentido mais significativo, a visão.
O tema central do texto é a cegueira, que representa a ausência de um dos sentidos primordiais para a expressão do espírito em evolução no mundo material.
No entanto, ao refletirmos sobre a cegueira física, somos conduzidos a examinar uma outra dimensão de obscuridade: a cegueira espiritual.
Enquanto a privação da visão física afasta alguém do mundo externo, a cegueira espiritual é uma barreira que impede a verdadeira autoconsciência, tornando difícil a percepção das próprias imperfeições morais, que podem se converter em obstáculos em nossa jornada de evolução.
É notável observar que a forma de agir de Cristo neste caso especial do cego de Betsaida difere dos outros relatos de cura de cegos encontrados nos evangelhos. Segundo o texto, em Betsaída, diante do cego, Jesus não o cura imediatamente, como de costume, mas gentilmente toma-lhe pelas mãos e o conduz para fora da aldeia.
De fato, ao refletirmos sobre o modo de atuação de Cristo com o cego de Betsaida, somos levados a considerar o significado simbólico da aldeia. No contexto espiritual, a aldeia pode representar não apenas um local físico, mas também as limitações e estreitezas da vida material. É como se a aldeia simbolizasse as restrições impostas pelo mundo material e suas preocupações mundanas, que podem dificultar nossa visão espiritual e nosso progresso interior.
Certamente, o gesto de Jesus ao conduzir o homem para fora da aldeia pode ser interpretado como um convite espiritual. Ele está simbolicamente convidando a humanidade a buscar uma conexão íntima com Ele no âmago do coração, afastando-se dos interesses imediatistas, mundanos e superficiais.
Ao levar o homem para fora da aldeia, Jesus indica que a verdadeira transformação espiritual ocorre quando nos desprendemos das preocupações terrenas e nos voltamos para uma busca interior mais profunda. Ele nos convida a estabelecer uma relação pessoal com Ele, transcendendo os aspectos superficiais e transitórios da vida material.
Somente após retirar o cego da aldeia, Jesus deu início ao processo de cura, simbolizado pelo ato de aplicar Sua saliva nos olhos do cego. Isso nos revela que somente quando nos dispomos a nos desvincular das frivolidades da vida mundana e nos entregamos à introspecção psíquica, podemos alcançar uma comunhão íntima com Cristo (Self). Essa comunhão profunda, que ocorre por meio do mergulho em nossa intimidade psíquica, nos permite reconhecer e enxergar aspectos de nós mesmos que antes permaneciam ocultos.
Prosseguindo no texto, observamos que após receber a cura proporcionada por Jesus, o homem que antes era cego passa a enxergar de forma distorcida, não compreendendo a realidade observada. Isso sugere ao estudante do evangelho que o verdadeiro entendimento das coisas requer mais do que simplesmente a capacidade de enxergar. Nem sempre o que nossos olhos veem corresponde à verdadeira realidade. É por essa razão que Jesus nos aconselhou a evitar fazer julgamentos precipitados ("não julgueis..."), pois nossa visão ainda é limitada para compreender plenamente as situações que observamos.
Diante da dificuldade em enxergar corretamente, Jesus impôs novamente as mãos sobre os olhos do homem e o fez olhar para cima, restaurando completamente sua visão (Marcos 8:25).
Por mais habilidoso que seja o terapeuta, sua ação serve apenas para despertar no necessitado suas próprias capacidades regenerativas. A verdadeira cura depende da transformação interna do indivíduo. Jesus impôs as mãos, realizando ajustes energéticos em seu aparelho visual, mas a plena restauração do cego ocorreu somente quando ele direcionou seu olhar para cima.
Se o coração é considerado símbolo dos sentimentos, é pelos olhos que o ser humano revela a que sentimentos está conectado. Olhar para cima simboliza a busca por esferas mais elevadas de consciência e compreensão. Para enxergar além das sombras e ilusões, é essencial erguer os olhos, elevar o entendimento e purificar os pensamentos.
O texto termina com uma instrução intrigante. Após a cura do homem que antes era cego, Jesus o orientou a voltar para casa, sem passar pela aldeia (Marcos 8:26).
Essa instrução desperta questionamentos sobre o propósito e o significado por trás dessa ordem específica de Jesus. Por que Ele instruiu o homem a evitar a aldeia? Sem dúvida, há uma mensagem profunda e subliminar a essa orientação.
É bastante plausível considerarmos que o Mestre deseja transmitir a mensagem de que, uma vez que nossa visão tenha sido ajustada para compreender propósitos mais elevados, é essencial redirecionar nossa vida para um novo caminho. Isso implica evitar o retorno aos antigos padrões de comportamento e pensamento que, embora possam persistir em nossa intimidade, não são mais benéficos para nosso crescimento espiritual.