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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

JESUS E O CEGO DE NASCENÇA


O capítulo 9 do Evangelho de João inicia destacando a postura dinâmica de Jesus, que está sempre em movimento. Ele não apenas está fisicamente em movimento, percorrendo diferentes lugares e encontrando pessoas em suas necessidades, mas também está constantemente em movimento espiritual, buscando estender Sua luz e amor a todos.

Naquele dia, conforme registrado em João 9:1-3, Jesus, ao passar, viu um homem que era cego de nascença. E, de forma intrigante, seus discípulos o interrogaram: "Rabi, quem pecou, ele ou seus genitores, para que fosse gerado cego?" A resposta do Mestre é profunda: "Nem ele pecou nem seus genitores, mas para que fossem manifestadas nele as obras de Deus."

Primeiramente, devemos nos deter na pergunta elaborada pelos discípulos. De imediato, a pergunta revela a ideia que o povo judeu mantinha em relação a Deus naquela época. Sem dúvida, eles concebiam a ideia de Deus como um ser vingativo, que punia a humanidade por seus desvios, impondo enfermidades, limitações físicas e mentais como castigo, conforme relatado em grande parte dos textos bíblicos.

A pergunta feita a Jesus também denota que, para o povo da época, Deus não era apenas visto como vingativo, mas principalmente como injusto, pois punia não apenas os pecadores, mas também sua descendência.

Por outro lado, a pergunta formulada pelos discípulos deixa transparecer a crença dos judeus na reencarnação. Eles acreditavam, sem dúvida alguma, que o ser humano nasce, morre e renasce em novas vidas sucessivas.

Essa ideia se torna evidente na pergunta feita pelos discípulos, pois se a cegueira do homem era desde o nascimento, não faria sentido lógico perguntar quem havia pecado, se o cego ou seus pais. Isso sugere que eles reconheciam a possibilidade de que as consequências dos atos e escolhas de vidas passadas pudessem refletir na situação atual de uma pessoa. Afinal, nascido cego, em razão de suposto castigo que lhe fora infligido pelo Deus vingador, os discípulos queriam saber quando aquele homem havia pecado.

Aliás, a questão da reencarnação era o pensamento da época, sendo, inclusive, abordada em outros episódios da Bíblia, como, por exemplo, em Mateus 17:10-13, onde Jesus afirma que João Batista é Elias reencarnado. É verdade que o termo "reencarnação" não foi empregado especificamente no texto, uma vez que se trata de um termo mais contemporâneo. No entanto, a declaração de Jesus sobre João Batista ser Elias indica claramente a ideia de uma nova manifestação ou retorno de uma mesma entidade espiritual em uma nova vida. Elias, como profeta, havia desaparecido cerca de nove séculos antes de Jesus, e a profecia em Malaquias 5:4 previa seu retorno antes da vinda do Messias.

Outra passagem referente a reencarnação está descrita em João 3, 1-12, no episódio que narra o encontro de Nicodemos com Jesus. Nicodemos procurou Jesus com o objetivo de obter esclarecimentos sobre uma questão que o perturbava. Ele buscava respostas para suas dúvidas e ansiava por compreender melhor as verdades espirituais. Ele queria saber o que era necessário fazer para alcançar o Reino de Deus. Ao sondar a intimidade de Nicodemos, Jesus afirma ao fariseu, que era mestre e doutor da lei, a necessidade de nascer de novo para alcançar conquistas espirituais significativas. Diante do espanto de Nicodemos em relação ao tema, Jesus expressa surpresa, dizendo-lhe que seria difícil explicar-lhe sobre as coisas celestiais se ele, sendo um mestre em Israel, não compreendia plenamente as coisas terrenas.

O texto de João também aponta que, além do tema das vidas sucessivas, a pergunta feita pelos discípulos a Jesus indica que os judeus tinham um entendimento sólido da lei de causa e efeito como manifestação da justiça divina. Eles compreendiam que os males enfrentados na vida presente estavam relacionados a faltas cometidas no passado. No entanto, sua compreensão da justiça divina estava permeada pela ideia de castigos e punições.

Jesus veio ao mundo para ensinar aos homens que Deus é amor, cuja justiça é toda fundamentada na misericórdia. Um Pai Amoroso que não pune, nem castiga, mas educa os filhos que muito ama para que aprendam igualmente a amar.

É por isso que Jesus responde aos discípulos que a cegueira do homem não tinha qualquer relação de causa e efeito com seu passado, não sendo, portanto, resultado de punição divina, porque Deus não pune, Deus educa.

A punição é uma manifestação da imperfeição humana. Como seres imperfeitos e frágeis, carregamos em nossa consciência as leis divinas, e mais cedo ou mais tarde somos levados a confrontar nossas ações registradas em nosso íntimo. Diante dos desvios cometidos, a punição se impõe como forma de buscar alívio da culpa que nos atormenta e nos rouba a paz.

A mente humana, quando desequilibrada pela culpa, pode interferir nas estruturas sutis do corpo físico e espiritual, resultando em enfermidades, problemas e aflições. Essa autopunição pode manifestar-se por meio de aflições e doenças que surgem como consequência das emoções negativas e dos padrões de pensamento dissonantes. A carga emocional não resolvida e a autocrítica podem desencadear um ciclo de autopunição, afetando tanto o bem-estar físico quanto o espiritual. Quantas aflições e doenças são resultados da autopunição...

A autopunição é uma resposta emocional e mental que muitas vezes surge como uma tentativa ilusória de resolver conflitos com as leis divinas. É uma forma infantil e limitada de lidar com a culpa e a busca pela reconciliação interior. Ao escolher a autopunição, o ser humano acredita que está pagando por seus erros e se redimindo, mas na verdade essa abordagem não traz uma verdadeira cura ou transformação.

É assim que o ser humano, frágil e imperfeito, diante de um crime cometido contra seu próximo, para livrar-se da consciência de culpa, escolhe renascer sem os braços que outrora usou para ferir, porque ainda é incapaz de pensar na possibilidade de embalar nos braços, como filho, aquele que no passado feriu. Renascer sem os braços é escolha humana, jamais Justiça Divina.

A justiça divina, segundo Emmanuel, no livro O consolador, opera-se de forma diversa. Na resposta à questão 135, Emmanuel diz que todo aquele que interferir indevidamente na harmonia divina, expressão do belo e do harmonioso, terá que recompor os elos sagrados que foram rompidos. Emmanuel usa o verbo recompor, que significa recuperar, reorganizar.

Ao voltarmos ao texto de João para examinar a resposta dada por Jesus aos discípulos, nos deparamos com uma nova revelação. Jesus ao responder aos discípulos, acrescentou que: "Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus."

Notemos que nem toda dor e sofrimento são mecanismos de operação da lei de causa e efeito. Jesus nos apresenta uma outra verdade: a cegueira do homem era manifestação das obras de Deus.

E o que são as obras de Deus? Obras são resultados de uma ação. A cegueira do homem era resultado de uma ação e não de uma punição, como acreditavam equivocadamente os discípulos. Na verdade, a cegueira do homem, funcionava como um instrumento para impulsionar seu progresso espiritual.

Este tema está tratado no Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 09:

"Não se deve crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo seja necessariamente indício de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas escolhidas pelo Espírito para concluir a sua depuração e acelerar o seu adiantamento."

É a dor evolução, mencionada no livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, capítulo 19. Sobre este tema leia o artigo Porque sofremos?

O cego de nascença do evangelho houvera escolhido a cegueira como mecanismo de depuração de seu espírito, de forma a acelerar seu processo evolutivo. Certamente, a cegueira do homem representava uma oportunidade para ele desenvolver virtudes como paciência e humildade, enquanto também ampliava sua visão espiritual e psíquica em relação a si mesmo. Assim, as obras de Deus podem envolver situações desafiadoras que visam aprimorar a jornada espiritual do indivíduo.

No livro Missionários da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, capítulo 12, o espírito André Luiz, narra casos semelhantes, dentre os quais cita-se o caso de Silvério e de uma moça, cujo nome ficou no anonimato.

Silvério, quando da análise de seu projeto reencanatório, acolhe a sugestão de seus mentores, em nascer com um problema na perna, a fim de que o problema de saúde da perna se lhe apresentasse como um “antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação do amor próprio”.

A moça, cujo nome ficou no anonimato, solicita ajustes em seu modelo de corpo físico, para que desenvolvesse problemas na tireoide e na paratireoide, a fim de não se apresentar na Terra com uma forma física perfeita, acrescentando que preferia a fealdade corpórea, para não sucumbir aos apelos da vaidade.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos, assim como os exemplos dos personagens do livro "Missionários da Luz", nos esclarece que as deficiências físicas e outras dificuldades enfrentadas durante uma encarnação não sejam apenas flagelos expiatórios, mas também oportunidades de crescimento espiritual. Essas experiências desafiadoras podem ser vistas como ferramentas de ascensão, permitindo que o espírito imortal avance em seu caminho evolutivo.