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terça-feira, 3 de julho de 2018

OS TRABALHADORES DA VINHA




Pois o Reino dos Céus é semelhante ao homem, pai de família, que saiu de ao raiar do dia a assalariar trabalhadores para a sua vinha. Depois de ajustar com os trabalhadores um denário por dia, os enviou para sua vinha. E tendo saído por volta da terceira hora, viu outros, que estavam de pé na praça, desocupados, e disse a esses: Ide vos também para a vinha, e o que for justo vos darei. E, eles foram. Novamente, saindo por volta da sexta e nona hora, procedeu da mesma forma. Tendo saído por volta da undécima hora, encontrou outros, que estavam de pé, e diz para eles: por que ficastes de pé, aqui, o dia inteiro, desocupados? Eles lhe dizem: Porque ninguém nos assalariou. Ele lhe diz: Ide vos também para a vinha. Chegado ao fim da tarde, o senhor da vinha diz ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando dos últimos até os primeiros. Vindo os da undécima hora, receberam um denário, cada um. Vindo os primeiros, pensaram que receberiam mais; todavia, também eles receberam um denário, cada um. Ao receberem, murmuraram contra o senhor da casa, dizendo: Estes últimos fizeram só uma hora, e tu os fizestes iguais a nós, que carregamos o peso do dia e o calor ardente. Em resposta, disse a um deles: Companheiro, não estou sendo injusto contigo. Não ajustaste comigo um denário? Toma o teu e vai-te; quero dar a este último tanto quanto a ti. Não me é lícito fazer o que quero com o que é meu? Ou o teu olho é mau, por que eu sou bom? Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serões últimos. Mateus 20:1-16.


Nas parábolas de Jesus, o Reino dos Céus frequentemente é equiparado a um estado íntimo de consciência. Esta condição de plenitude espiritual, no contexto da parábola, se assemelha ao trabalho: enquanto no plano material ele impulsiona o progresso do mundo, no âmbito interno, catalisa o desenvolvimento espiritual. A vinha, ao representar o âmbito de atuação do espírito imortal, simboliza tanto o mundo tangível quanto o universo íntimo de cada ser.

Em todos os planos da vida, Deus nos convida ao trabalho. No mundo, somos encorajados a contribuir para o progresso material; internamente, somos convocados a laborar no terreno de nossos corações, cultivando virtudes que nos elevam a níveis superiores. 

Na parábola, o trabalho assume um matiz espiritual, refletindo como Jesus fala aos nossos corações. O Pai de família, que busca trabalhadores em diferentes momentos do dia, ilustra que Deus, incessantemente, convoca seus filhos ao árduo trabalho de transformação moral.

No entanto, há aqueles que acolhem o chamado divino mais cedo, enquanto outros o fazem mais tarde. Porém, todos, inevitavelmente, despertarão. E a recompensa para todos os trabalhadores será a mesma, independentemente de quando começaram sua jornada de regeneração. 

O versículo 08 destaca o momento do pagamento aos trabalhadores: a noite. Como a noite simboliza o término do dia, a parábola sugere o final de um ciclo ou etapa evolutiva.

No capítulo 20 do 'Evangelho Segundo o Espiritismo' (ESE), a parábola é analisada por quatro espíritos, incluindo o Espírito da Verdade. Eles afirmam que ela antecipa momentos decisivos que a humanidade enfrentará, visto que está nos planos divinos a transição da Terra para a categoria de mundo de regeneração. Isso significará que nosso planeta deixará de ser um refúgio para espíritos que precisam de um mundo de provas e expiações para evoluírem 

Os espíritos destacam que novos tempos se aproximam para a humanidade. Estamos, assim, nas últimas horas de um ciclo, aguardando o alvorecer de uma nova era, e é por isso que Jesus enfatiza tanto a importância do trabalho de transformação moral. 

No "Evangelho Segundo o Espiritismo" (ESE), na página 221, ao discorrer sobre esta parábola, o espírito Erasto exorta: "Arme-se de decisão e coragem, ó vossa legião! Mãos à obra! O arado está pronto; a terra, preparada: Arai."

A 'terra preparada', moldada pelas lutas e experiências de inúmeras encarnações passadas, simboliza o coração. O 'arado', por sua vez, representa a vontade. Portanto, com a vontade determinada, podemos trabalhar nosso interior, removendo imperfeições que obstruem o desenvolvimento de virtudes. Estas virtudes nos preparam para herdar a Terra.

Na parábola, Jesus sinaliza a iminência dos tempos delineados por Deus. A Terra está predestinada aos mansos e pacíficos, conforme proclamou no Sermão do Monte. Este é, de fato, o ponto ápice da parábola, ressaltando a imperativa necessidade de reflexão sobre esse ensinamento. 

Os primeiros trabalhadores, apesar de sua prolongada dedicação na vinha, ainda não haviam cultivado a mansidão e a paz interior. Embora tenham atendido ao chamado do Senhor da Vinha e se dedicado por mais tempo, não estavam aptos a herdar a terra. 

O tratamento igualitário dispensado pelo Senhor da Vinha aos trabalhadores que chegaram posteriormente causou inconformismo nos que haviam chegado mais cedo, levando-os a questionar o Senhor. Esse ato revelou um coração tomado pela inveja. Assim, a resposta veio: 'Companheiro, não estou sendo injusto contigo. Não ajustaste comigo um denário? Toma o que é teu e vai. Quero dar a este último tanto quanto a ti. Não posso fazer o que desejo com o que é meu? Teu olho é invejoso porque eu sou generoso? 

Um coração dominado por inveja e ciúme não vibra em sintonia com a mansidão. A parábola nos convida a refletir sobre esta imperfeição moral, que ainda marca presença em muitos de nós que habitam a Terra.

A inveja difere da cobiça. Enquanto a cobiça é o desejo de possuir o que pertence a outro — e, apesar de negativa, é um mal menor — a inveja é a perversa satisfação em ver ou causar a ruína da felicidade alheia, seja em conquistas morais ou materiais.

A inveja é uma profunda falha de caráter, um veneno que corrompe o coração. É uma enfermidade altamente nociva, pois é matriz de muitos males. Inclusive, foi essa falha que motivou o exílio de muitos espíritos para nosso planeta, incluindo os capelinos. 

O canto de dor dos espíritos exilados encontra-se representada nos primeiros capítulos da Bíblia. As imagens simbólicas de Adão e Eva, expulsos do paraíso, e de Caim, que mata Abel movido pela inveja, servem como advertências às futuras gerações: um aviso para não caírem nos mesmos padrões comportamentais que os distanciaram de Deus. 

A inveja é um sentimento presente apenas nos corações dos espíritos menos evoluídos. Isso é evidenciado na resposta à questão 970 do 'Livro dos Espíritos'. Como a Terra está destinada a elevar-se na hierarquia dos mundos, cabe a nós aprimorar nosso padrão vibratório. Apenas assim estaremos aptos a continuar nossas reencarnações neste planeta. 

À medida que nosso planeta avança rumo a uma nova Era, apenas os espíritos que se libertarem das amarras do mal continuarão a reencarnar aqui. A inveja, destacada na parábola, é uma raiz do mal, surgindo do orgulho, vaidade e egoísmo.

Na questão 933 do 'Livro dos Espíritos', é afirmado que a inveja e o ciúme são como torturas da alma; são como vermes que corroem e destroem psicologicamente quem os sente.

Dessa forma, a parábola funciona como um chamado de Jesus para superarmos a inveja dentro de nós, assumindo, com humildade, o reconhecimento de que ainda carregamos essa imperfeição em nossos corações

Reconhecer a existência do mal, sua magnitude e esfera de influência, é essencial para compreendê-lo e, consequentemente, dominá-lo. Um guerreiro está preparado para combater apenas os inimigos que reconhece. Admitir a presença do mal em nosso coração é o primeiro passo rumo à sua superação.

O subsequente e crucial passo para subjugar esse adversário interno é a conscientização de nossa dependência da graça divina. Ao orarmos a Deus, solicitando Sua ajuda para superar as mazelas da inveja e do ciúme, conectamo-nos às forças cósmicas que sustentam a harmonia do universo. 

Joana de Angelis, no livro 'Em Busca da Verdade', aconselha-nos a cultivar sentimentos nobres com genuína alegria. Devemos encontrar satisfação na felicidade alheia, especialmente se almejamos seguir os ensinamentos de Jesus





sábado, 19 de maio de 2018

PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS



O reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. E cinco delas eram prudentes, e cinco insensatas. As insensatas, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com as suas lâmpadas. E, tardando o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um clamor: Aí vem o esposo, saí-lhe ao encontro. Então todas aquelas virgens se levantaram, e prepararam as suas lâmpadas. E as loucas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam, dizendo: Não seja caso que nos falte a nós e a vós, ide antes aos que o vendem, e comprai-o para vós. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. E depois chegaram também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos. E ele, respondendo, disse: Em verdade vos digo que vos não conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia e nem a hora. Mateus 25, 1-13.

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 Embora muitas interpretações desta parábola tenham um enfoque escatológico, as palavras de Jesus oferecem múltiplas perspectivas. É plenamente possível entendê-la não apenas como uma visão do fim dos tempos, mas também como um convite ao autoconhecimento. 

Ao utilizar elementos de um casamento tradicional judeu como pano de fundo, Jesus destaca a ideia de uma união cósmica e de uma conexão profunda, como um pilar que sustentará todas as outras imagens e mensagens contidas no texto. 

A parábola descreve o encontro de dez virgens com o noivo. Segundo a tradição judaica, durante a cerimônia de casamento, a noiva era acompanhada por suas amigas no trajeto até o noivo. Este, por sua vez, também caminhava em direção à casa da noiva, ladeado por seus amigos. 

No entanto, na parábola, Jesus omite qualquer menção à noiva, focando apenas em suas amigas, as virgens. Isso se dá porque Jesus não alude a um casamento terreno, mas sim à união entre a humanidade — o Seu rebanho — e Ele mesmo, o divino pastor..

Simbolicamente, Jesus é retratado como o noivo da humanidade, conforme evidenciado em Mateus 9:14-17. Essa representação também é reforçada na resposta à questão 309 do livro "O Consolador", ditado pelo espírito Emmanuel e psicografado por Chico Xavier.

Um dos pontos centrais da parábola é a analogia do reino dos céus com as dez virgens que se dirigem ao encontro do noivo. Jesus frequentemente se referiu ao "reino dos céus", utilizando diversas metáforas e elementos cotidianos da vida do povo judeu para facilitar a compreensão. Em Lucas 17:20-21, o Mestre clarifica sua mensagem, declarando que o reino não se localiza externamente, mas reside no interior de cada indivíduo. Isso sublinha que o "reino dos céus" não é um lugar físico, mas sim um estado interno de harmonia, equilíbrio e regência pelo amor incondicional.

É fascinante observar que as virgens, quando comparadas ao reino dos céus, avançam em direção ao noivo. Isso sugere que esse estado interno de harmonia, equilíbrio e domínio pelo amor incondicional não é algo passivamente recebido, mas sim uma conquista ativa. Está intrinsecamente ligado aos movimentos e esforços da alma em sua jornada evolutiva. 

Destaca-se, neste prisma, os movimentos pelo autoconhecimento. Sem essa introspecção e esforço consciente, é impossível transformar emoções e sentimentos desequilibrados em estados mais harmoniosos.

A escolha do número dez na parábola também é significativa. Na tradição judaica, os números carregam profundos significados simbólicos. O número dez, em particular, representa perfeição e totalidade. Assim, as dez virgens podem ser vistas como um símbolo da busca completa e perfeita pela harmonia interior e pelo amor incondicional.

Na parábola, as dez virgens não representam uma unidade perfeita e coesa, pois enquanto metade delas é descrita como prudente, a outra metade é caracterizada como imprudente. Assim, a imagem das dez virgens ilustra uma totalidade que, apesar de completa, possui suas metades em desequilíbrio.

Esta analogia pode ser estendida à humanidade atualmente encarnada no planeta. Em um mundo de provas e expiações como o nosso, o psiquismo humano, devido aos seus inúmeros conflitos internos, apresenta-se fragmentado. Existe uma parte de nós que é consciente e conhecida, enquanto outra permanece oculta e misteriosa. Há uma faceta que age com prudência e discernimento, e outra que pode ser impulsiva e até assustadora. Da mesma forma, enquanto uma parte de nós consegue controlar e dominar nossas tendências, a outra pode estar repleta de imperfeições e vícios que, por vezes, sobrepõem-se à nossa razão. Esta dualidade reflete a contínua luta interna que muitos enfrentam em sua jornada espiritual e evolutiva.

Joana de Angelis, através da série psicológica psicografada por Divaldo Franco, faz alusão ao pensamento de Carl Jung para elucidar aspectos profundos da psique humana. Segundo essa perspectiva, a parte desconhecida da personalidade abriga conteúdos psíquicos que o EU (ou SELF, conforme a terminologia junguiana) não reconhece conscientemente. Estes conteúdos estão armazenados no que é chamado de inconsciente profundo.

Este repositório oculto do inconsciente muitas vezes exerce uma influência poderosa sobre nossas ações e decisões, levando-nos, em certas ocasiões, a agir de maneiras que nos surpreendem e até mesmo contradizem nosso entendimento consciente de nós mesmos. É como se houvesse uma força interna, muitas vezes não reconhecida, que direciona certos aspectos de nossa vida.

Dada a influência profunda e, por vezes, misteriosa do inconsciente sobre o comportamento humano, não é surpreendente que o autoconhecimento tenha sido um tema recorrente nas parábolas de Jesus. Ele enfatizou a importância de olhar para dentro, de reconhecer e integrar todas as partes de nós mesmos, para viver uma vida mais plena e alinhada com o amor e a verdade divinos. 

Outro aspecto marcante da parábola é o sono que acomete todas as virgens. Mesmo estando equipadas com suas lamparinas, em determinado ponto da espera pelo noivo, todas adormecem devido à sua demora.

O sono, neste contexto, pode ser interpretado como uma metáfora para a inércia espiritual. Representa a estagnação e a inatividade do espírito, simbolizando a ausência do esforço contínuo e necessário para o autoconhecimento. Esse estado de "sono" reflete o comodismo, o desinteresse e o descaso na jornada de despertar da consciência. É uma postura passiva diante da vida e da evolução espiritual.

Essa inércia, simbolizada pelo sono, prende o ser humano ao estágio evolutivo em que se encontra, atuando como uma espécie de anestesia para a vontade e o ímpeto de crescimento. Em vez de avançar e buscar a iluminação e o entendimento, a alma permanece adormecida, perdendo oportunidades valiosas de evolução e aprendizado.

O momento em que as virgens são despertadas pela chegada inesperada do noivo é, sem dúvida, o clímax da parábola. Jesus, em sua maestria, utiliza simbolismos profundos e transcendentais para transmitir seus ensinamentos. A chegada do noivo à meia-noite não é um detalhe trivial. A meia-noite, marcada pelo encontro dos ponteiros do relógio, simboliza o fim de um ciclo e o início de outro. 

Dentro desse contexto, a chegada do noivo nesse momento específico sugere que o despertar espiritual pode ocorrer justamente quando menos esperamos, no limiar entre duas fases de nossa existência. É um lembrete de que a oportunidade para a transformação e o crescimento espiritual pode surgir a qualquer momento, e que devemos estar sempre preparados e vigilantes para recebê-la.

Nas cartas de Paulo aos Romanos, capítulo 13, versos 11-12, destaca-se a advertência do apóstolo do Cristo: “Reconheceis o momento em que viveis, já é hora de despertar do sono. A noite está avançada, o dia se aproxima. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz.”

A parábola aponta para o despertar da consciência, porque a humanidade já se encontra em condições de realizá-la. Ao despertarem, as virgens percebem que não podem mais seguir juntas, porque durante o sono suas lamparinas se apagaram e metade delas não tinha azeite suficiente para mantê-las acesas.

 As virgens insensatas representam as máscaras que criamos para sustentar nossas pseudo-virtudes. Quando o ser humano não busca o autoconhecimento, quando se recusa a aceitar-se, quando não se perdoa, alimenta para si falsas virtudes, numa tentativa ilusória de compensar-se, acreditando ser o que não é. 

Todo movimento ilusório, do ponto de vista psicológico, um dia perde o combustível e não consegue sustentar-se, levando o ser a experimentar, muitas vezes, um despertar doloroso, como aconteceu com as virgens que, só então, perceberam o quanto se equivocaram.

Surge, novamente, a necessidade de se autodescobrir, para o trabalho de transformação moral, abandonando as máscaras e todos os outros artifícios psicológicos que evitam o despertar da consciência, rumo a plenitude espiritual.

Por fim, pondere-se que a separação das virgens, retrata a divisão de um todo. No caso da parábola, metade luz, metade trevas. Neste aspecto, já advertira o Cristo: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir”. Mateus 12:25.

Jesus termina a parábola recomendando orai e vigiai porque não sabemos o dia e a hora.

Aproveitar a encarnação para o exercício do autoconhecimento é missão de todos aqueles que buscam os patamares superiores da vida. O relógio da imortalidade já marcou meia noite. É chegada a hora!




 

 

domingo, 22 de abril de 2018

PARÁBOLA DO GRANDE BANQUETE




Um certo homem preparou um grande banquete e convidou a muitos. Na hora do banquete, enviou seu servo avisar os convidados: Vinde, já está preparado. E todos, um após um, foram se desculpando. O primeiro disse: Comprei um terreno e preciso examiná-lo; por favor, aceite minhas desculpas. O segundo disse, comprei cinco juntas de bois e vou prová-los por favor, aceite minhas desculpas. O terceiro disse: acabo de casar e não posso ir. O Servo voltou para informar o senhor. Então o senhor da casa, irritado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e vielas da cidade e trazei para cá os pobres, mutilados, cegos e coxos.  O servo lhe disse: Senhor, foi feito como ordenastes, e ainda sobra lugar. O senhor disse ao servo: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga-os a entrar, para que a minha casa se encha. Lucas 14:16-24.


A parábola congrega elementos com o objetivo de ilustrar a realidade do espírito imortal, que, por iniciativa própria, deve caminhar em direção a Deus, buscando a perfeição. Nesta longa e desafiadora jornada, o espírito reencarna diversas vezes em mundos materiais que espelham seu universo íntimo. Nestes mundos, ele vivencia experiências condizentes com seu estágio evolutivo, capacitando-se para habitar em esferas mais elevadas. Ao alcançar a perfeição, finalmente compreenderá Deus. 
Todos os seres criados por Deus têm como destino a perfeição. É uma fatalidade da qual ninguém pode escapar. O ser humano pode estacionar em sua jornada, mas não pode evitar o progresso, pois Deus exerce sobre todos os seus filhos uma força magnética à qual, cedo ou tarde, ninguém consegue resistir. Evoluir em direção a Deus é o destino de todos, seja através das experiências do amor ou pelas lições da dor.
O grande tema da parábola do grande banquete é justamente esse. O homem que organizou o banquete simboliza Deus. A ideia do banquete foi empregada para representar a comunhão. Para os judeus, um banquete era uma ocasião especial, reservada apenas para convidados de grande importância, com os quais o anfitrião desejava estabelecer uma relação íntima. 
A imagem de um homem que organiza um banquete e convida muitos ilustra a concepção de que Deus espera por todos os seus filhos para uma profunda comunhão. Esta comunhão plena só será alcançada quando o espírito atingir a perfeição, conforme abordado na questão 11 do Livro dos Espíritos.
11. Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade?
Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele o verá e compreenderá. 
Na parábola, o homem prepara o banquete e envia seu servo para convidar e informar a muitos que tudo estava pronto. Os dois verbos iniciais, "convidar" e "avisar", simbolizam os chamados e os alertas do amor. 
O primeiro servo da parábola personifica o convite de Deus para a evolução através do amor. Cada experiência vivenciada pelo ser em sua trajetória é um chamado de Deus, incentivando-o a evoluir pelo caminho do amor. 
Todas as oportunidades que o ser tem para interagir no mundo são instrumentos providenciados por Deus para ajudá-lo na missão de refinar sentimentos e adquirir conhecimentos. No entanto, muitas vezes, essas oportunidades são desperdiçadas em busca de ilusões e devaneios pessoais.  
Na parábola, o primeiro servo, simbolizando o amor, sai para avisar os convidados de que o banquete estava pronto. Contudo, todos, sem exceção, declinam o convite, alegando estarem imersos em compromissos mundanos, como cuidar do patrimônio, dedicar-se ao trabalho e manter relações afetivas. 
É interessante perceber que as responsabilidades atribuídas por Deus aos espíritos que habitam mundos de provas e expiações, como a Terra, estão intrinsecamente ligadas ao trabalho, relações afetivas e gestão do patrimônio. 
É justamente nessas áreas de atuação que o ser encarnado tem a oportunidade de aprimorar suas virtudes ou, em contrapartida, acumular sérias dívidas diante da lei divina. Torna-se evidente que todos os equívocos e transgressões humanas, assim como todas as suas vitórias morais, ocorrem no âmbito do patrimônio, das relações afetivas e do trabalho
Na parábola, os convidados declinam o convite para o banquete, pois todos eles colocavam o trabalho, o patrimônio e as relações afetivas como centrais em suas vidas. Em outras palavras, todos os interesses dos convidados orbitavam em torno desses três pilares.
Neste aspecto, a parábola serve como um aviso. Trabalho, dinheiro, família e relações afetivas são, de fato, oportunidades evolutivas para o espírito encarnado em mundos de provas e expiações. Eles representam valiosa oportunidade de crescimento espiritual. No entanto, não devem ter um poder tão dominante sobre o ser humano a ponto de estagnar seu progresso em direção a Deus.
Quando o servo retorna e relata que os convidados declinaram o convite para o banquete, o homem ordena que ele saia novamente e traga os pobres, mutilados, cegos e coxos. 
O significa isso? Quem é o segundo servo? 
Ao desperdiçar oportunidades de evolução através do exercício de virtudes e da aquisição de conhecimentos nas experiências vividas no âmbito do trabalho, patrimônio e relações afetivas, o indivíduo acumula sérios débitos para consigo mesmo. Assim, mais tarde, ele é conduzido, e não apenas convidado, a evoluir por meio de experiências expiatórias
O segundo servo simboliza a expiação. Por essa razão, Jesus emprega o verbo 'trazer' (ou 'buscar', dependendo da tradução do texto) ao se referir a ele. Esse uso verbal destaca uma certa imposição. Daí a menção aos pobres, cegos, coxos e mutilados. Estes não representam deficiências físicas, mas sim espirituais. Em expiação, encontram-se aqueles que são pobres em amor ao próximo, cegos de espírito, mutilados de coração e coxos em seus sentimentos, todos por não terem aproveitado adequadamente as oportunidades de caminharem em direção a Deus por meio do amor.
As experiências agora são difíceis porque o orgulho cegou a alma, a vaidade mutilou os sentimentos e o egoísmo impediu o amor de expressar-se fraternalmente como Jesus ensinou. 
As experiências expiatórias despertam na alma humana dois sentimentos distintos: resignação e revolta.
A resignação conduz o espírito de volta ao caminho do amor, pois reconhece que os desafios presentes são reflexos de erros passados. Essa aceitação diante das adversidades é a manifestação da compreensão profunda das palavras de Cristo: "Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados.
Já a revolta tem um efeito paralisante sobre o espírito, fazendo-o estagnar em sua jornada. Esse estado perdura até que, eventualmente, o espírito seja compelido a prosseguir em sua caminhada evolutiva.
O segundo servo, conforme instruído por seu senhor, conduz os sofredores e, ao perceber que ainda havia espaço, foi orientado a sair pelos caminhos e compelir todos a entrar. A escolha do verbo 'forçar' por Jesus não foi aleatória. Ele quis enfatizar que todas as criaturas, inevitavelmente, alcançarão a perfeição, seja pelo caminho do amor ou pelo da dor.
Quando as oportunidades de evolução pelo amor são negligenciadas, o ser é impelido a crescer através de experiências expiatórias. Estas, gradualmente e por meio da resignação, o reconduzirão ao caminho do amor. 
Contudo, se, diante da expiação, a alma opta por nutrir uma revolta silenciosa contra todos e contra Deus, resistindo ao crescimento espiritual, ela será compelida a avançar sob o peso da dor e do sofrimento, em múltiplas vivências, até que reencontre o caminho do amor.
Por isso, na parábola, o último servo tem a missão de, por meio do sofrimento, conduzir todas as almas revoltadas, rebeldes e persistentes no erro a marcharem rumo a Deus.



quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

JESUS E O MOÇO RICO


O encontro de Jesus com o moço rico, registrado em Mateus, 19:16 a 24; Lucas, 18:18 a 25; e, Marcos, 10:17 a 25, surge como um autêntico convite à reflexão acerca dos valores que escolhemos para serem o epicentro de nossas existências.

De início, é digno de realce o gesto do jovem rico ao se dirigir ao encontro de Jesus. Estando ele na juventude e gozando de riqueza, pertencia à elite judaica. Em contrapartida, Jesus representava um homem do povo, circulando entre as fileiras da multidão composta por desfavorecidos, enfermos e indivíduos de reputação questionável. 

Naquela época, não era frequente que um homem abastado se entrelaçasse com as massas. Ainda mais incomum era alguém de posição social proeminente, como o jovem rico, procurar o aconselhamento de um homem simples do povo.

Jesus enfrentou intensas críticas e oposições por interagir com aqueles marginalizados pela sociedade daquela época. Como resultado, indivíduos de classes sociais mais elevadas, intelectuais e eruditos evitariam buscar Jesus em público. Caso sentissem a necessidade íntima de se conectar com ele, seguindo o exemplo de Nicodemos, o doutor da lei, procurariam-no sob o manto da noite, buscando o encontro discreto a fim de minimizar a exposição.

O jovem rico, entretanto, transcende a barreira do preconceito e procura Jesus à luz do dia, revelando, por meio desse ato, a magnitude de conflitos e inquietações que carregava consigo.

Ao se aproximar de Jesus, o moço lança imediatamente uma pergunta.


- Bom Mestre, que devo fazer para conseguir a vida eterna?


A pergunta visava a obter uma resposta que desvendasse o caminho para alcançar a paz interior. Afinal, é desafiador compreender por que um jovem rico estaria em busca do significado da vida eterna, a menos que estivesse à procura dessa serenidade profunda.

Jesus fixa o olhar no íntimo do jovem e, antes de responder, lhe esclarece: "Por que me chamas de bom? Não há bom senão um só, que é Deus.”

O Mestre recusa o título de bom e o redireciona para Deus, ilustrando que diante dos desafios do mundo, a busca primordial deve ser direcionada a Deus.

Logo após, Jesus responde ao jovem: "Se desejas alcançar a eternidade, observa os mandamentos: não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe, não cometerás adultério, entre outros.”

Entretanto, o jovem reage com surpresa, assegurando ter sempre obedecido aos mandamentos. E ele acrescenta, indagando: "O que mais me falta?”

A pergunta evidencia que o jovem, apesar de cumprir os mandamentos conforme a tradição, não experimentava uma realização espiritual completa. Isso reflete uma realidade comum a muitos seres humanos, que mesmo dedicando-se ao estudo do evangelho e ao auxílio ao próximo, não conseguem alcançar a plenitude.

A razão reside no persistente domínio do antigo orgulho, da vaidade arraigada, do egoísmo duradouro e do ciúme enraizado, que continuam a influenciar as dinâmicas das relações humanas.

A realização da plenitude só se torna realizável quando o indivíduo consegue libertar-se de todas as suas falhas morais, sendo este um princípio universal.

Nesse contexto, Jesus indica ao jovem que é necessário ir além do que já havia sido mencionado.


"Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me".

Ao escutar essas palavras, o jovem partiu com tristeza, pois detinha muitas posses. O chamado de Jesus representava uma demanda que ele não estava disposto a aceitar, pois sua afeição por suas posses era forte demais para abdicar delas.

Disse, então, Jesus aos seus discípulos: "em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus.  E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”.

Essas palavras frequentemente foram mal interpretadas, levando à crença de que Jesus estava condenando a riqueza e os bens materiais.

Contudo, é evidente pelo próprio contexto que Jesus não estava condenando a riqueza, uma vez que os próprios discípulos compreenderam isso e, consequentemente, questionaram: "Nesse caso, quem pode ser salvo?”

Se o Senhor estivesse de fato condenando a riqueza, a pergunta do discípulo - "Quem poderá salvar-se?" - não faria sentido, especialmente porque os discípulos eram pessoas de poucos recursos.

O cerne do texto se concentra no desapego dos bens terrenos, uma qualidade que tanto ricos quanto pobres podem alcançar.

A prática do desapego em relação aos bens materiais abre espaço na disposição interior para o interesse nos valores espirituais.

O propósito do texto é convidar o aprendiz a deslocar o foco dos interesses dos bens materiais para os interesses espirituais no cerne da vida.

A centralização dos interesses na posse de bens materiais levou a uma sociedade profundamente materialista e consumista, com um forte apego aos bens terrenos.

Esse apego aos bens materiais se manifesta de maneira óbvia em diversos momentos, inclusive nos momentos mais simples e cotidianos. Seja na satisfação e alegria ao adquirir novos objetos, na necessidade de exibi-los, ou mesmo na tristeza que surge ao perder um bem.

O materialismo também se evidencia nas ações humanas quando se empenha em múltiplas atividades com fins lucrativos, muitas vezes em detrimento do descanso e do convívio familiar, visando acumular recursos para concretizar um determinado desejo de consumo. Da mesma forma, se manifesta quando sentimentos negativos emergem diante da impossibilidade de adquirir o que se anseia.

O encontro entre Jesus e o jovem rico é um episódio repleto de convites de natureza espiritual. 

O Mestre nos convida a sempre buscar Deus como solução para nossos conflitos; nos convida a empreender uma reforma íntima, eliminando as imperfeições morais que bloqueiam o desenvolvimento de virtudes genuínas; nos chama a praticar o desapego em relação aos bens materiais, e a nutrir valores espirituais, aprimorando nossas interações com os outros.

Isso porque o maior investimento que podemos realizar nesta encarnação reside no domínio dos sentimentos.



terça-feira, 6 de junho de 2017

JESUS E A MULHER SIRO-FENÍCIA



Conta-se no Evangelho segundo Mateus (Mt 15,21-28) que, em certo momento de sua jornada, Jesus decide adentrar terras estrangeiras, especificamente na região da Fenícia, em direção a Sidon e Tiro. Lá, ele encontra uma mulher cujo nome e características físicas não são detalhados. O texto informa apenas que ela era grega, de origem siro-fenícia, e, portanto, não pertencia a nenhuma das 12 tribos de Israel; era, assim, uma mulher estrangeira.

Os judeus do mundo antigo costumavam desprezar os estrangeiros, reservando para eles termos ofensivos como "gentios", "imundos" e "cães desprezíveis". Evitavam misturar-se com os gentios, embora em alguns momentos de sua história tenham se relacionado com estrangeiros. Esse desprezo era justificado pelo fato de serem o único povo monoteísta do mundo antigo, reconhecendo a existência de um único Deus, criador de todas as coisas, enquanto os demais povos adoravam múltiplos deuses representados por animais, estátuas e fenômenos da natureza.

Assim, o orgulho dos judeus não lhes permitia manter qualquer tipo de relacionamento com estrangeiros. Evitavam falar com eles e entrar em suas casas para não se contaminarem. Para os judeus daquela época, o mundo era dividido em dois tipos de povos: os judeus, eleitos do Senhor, e os gentios, considerados imundos e desprezíveis. Assim, qualquer pessoa que não fosse de origem judaica era automaticamente classificada na categoria de 'gentios', considerados imundos e desprezíveis.

O encontro de Jesus com a mulher anônima é contextualizado pelo profundo desprezo que os judeus sentiam pelos estrangeiros. Neste caso específico, o desprezo era ainda mais acentuado devido à origem siro-fenícia da mulher. Os judeus mantinham ressalvas particulares em relação ao povo fenício, resquícios de um episódio doloroso e significativo ocorrido em seu passado distante.

Esse episódio está documentado no Antigo Testamento, especificamente no primeiro livro de Reis. Trata-se do casamento entre o rei Acabe de Israel e a princesa fenícia Jesabel. Este casamento não foi apenas uma união pessoal, mas também uma aliança política e econômica entre Israel e a Fenícia. A relação entre Acabe e Jesabel acabou por trazer consequências negativas para o povo de Israel, marcando profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios.

A introdução do culto pagão ao deus Baal em Israel, um país monoteísta, foi uma das consequências mais controversas do casamento entre o rei Acabe e a princesa fenícia Jesabel. Na cultura fenícia, Baal era considerado a divindade da fertilidade do solo, e seu culto era marcado por práticas licenciosas e devassas, incluindo a chamada "prostituição divina", onde a promiscuidade sexual era a norma.

Este desvio religioso teve repercussões devastadoras para o povo de Israel. Algum tempo depois, Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu Israel e subjugou os judeus à escravidão por um período de 70 anos. Este foi um dos momentos mais sombrios e difíceis da história judaica, e muitos acreditavam que essa escravidão foi uma punição divina por terem se desviado para a idolatria.

Embora esses eventos tenham ocorrido em um passado distante, o impacto emocional e cultural ainda era palpável. A memória desses acontecimentos afetava profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios, mantendo uma barreira de desconfiança e ressentimento entre os dois povos.

No entanto, Jesus, o mestre dos mestres e terapeuta por excelência, desafia as convenções e preconceitos de sua época ao conduzir seus discípulos para um território que, para eles, era hostil. Ele utiliza a figura de uma mulher fenícia, tradicionalmente odiada e desprezada pelos judeus, como um veículo para transmitir lições inestimáveis de amor e fé.

O Evangelho relata que aqueles eram tempos difíceis para Jesus, pois os fariseus o perseguiam incansavelmente, buscando criar situações que justificassem sua prisão. Após ensinar sobre o Reino de Deus por meio de parábolas, Jesus decide se retirar da região da Galileia. Acompanhado de seus apóstolos, ele se dirige às cidades de Tiro e Sidon, na Fenícia (hoje parte do Líbano).

Ao se aproximarem da fronteira fenícia, perto de Sidon, uma mulher avista Jesus de longe. Ignorando as barreiras sociais e culturais que a separavam dele, ela sai de suas cercanias e corre em direção a Jesus. Quando finalmente o alcança, ela clama: "Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim!”

A mulher estrangeira, embora imersa em uma cultura pagã, demonstra um entendimento notável das tradições judaicas ao reconhecer Jesus como o "Filho de Davi". Essa expressão, profundamente enraizada na tradição judaica, é usada para se referir ao Messias esperado, que deveria ser um descendente da casa de Davi. É notável que ela, familiarizada com as tradições judaicas, reconheça em Jesus o Messias enviado.

Esse fato é particularmente intrigante quando consideramos que muitos judeus, especialmente os fariseus, não reconheciam nem aceitavam a missão messiânica de Jesus. No entanto, essa mulher, tão desprezada pelos judeus, não hesita em romper com as barreiras culturais e psicológicas que a cercam. Ela sai de seu território, enfrenta o preconceito e vai ao encontro de Jesus, buscando estabelecer uma conexão com Ele.

Romper barreiras e limitações impostas pelas imperfeições morais para priorizar o espírito em detrimento da matéria é, de fato, um movimento da alma que cultiva a fé. A fé é como um grão de mostarda: pequena em seu início, mas com o potencial de crescer robusta e forte se devidamente cultivada. Jesus afirmou que, se tivermos fé mesmo do tamanho de um grão de mostarda, nada nos será impossível. Assim, a fé se torna o primeiro degrau na jornada que nos conduz ao Reino de Deus.

A mulher siro-fenícia, em sua busca por Jesus, exemplifica essa jornada de fé. Ela não apenas reconhece a divindade de Jesus, mas também se aproxima dele com um pedido específico e urgente: "Minha filha está sendo cruelmente atormentada por um demônio.”

É interessante notar que ela não diz "tem piedade de minha filha", mesmo sendo a filha que estava doente. Em vez disso, ela afirma: "tem piedade de mim, porque minha filha está atormentada por um demônio". O texto nos revela um coração maternal, que sofre com a dor da filha. Afinal, que mãe consegue ser feliz quando tem um filho infeliz? Impossível! O amor maternal é especial: ele tudo suporta, tudo tolera e tudo sofre. É um amor que se doa, é paciente, nunca reclama e sempre perdoa.

Este é o modelo do amor que Jesus espera de todos nós, quando nos recomendou amarmos uns aos outros como Ele nos amou. O amor maternal é o modelo do amor universal. Jesus espera que amemos os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seu filho. O Mestre espera que possamos perdoar os outros como perdoamos os nossos filhos, e que sirvamos aos outros sem reclamar, assim como fazemos com nossos filhos. Isso porque a nossa capacidade de amar é um reflexo direto da nossa estatura moral e espiritual. A cor, o brilho e a frequência vibratória do nosso corpo espiritual estão intrinsecamente relacionados com o amor que irradiamos a nossa volta.

No livro "Voltei", de Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito que usou o pseudônimo de Irmão Jacob, há um relato que ilustra essa ideia. O espírito conta que se sentiu envergonhado ao perceber, no mundo espiritual, que a luminosidade de seu perispírito era visivelmente inferior à dos outros espíritos, que exibiam uma luminosidade muito maior. O que eleva um espírito acima do outro não são seus conhecimentos acadêmicos ou suas conquistas materiais no mundo terreno, mas sim sua capacidade de amar os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seus filhos. O amor, juntamente com a fé, constitui o segundo degrau na jornada para alcançar o reino de Deus.

Prosseguindo no texto, diante do apelo da mulher, Jesus opta pelo silêncio. Em resposta, os discípulos se aproximam dele e dizem: "Senhor, manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós."

Os discípulos de Jesus não se mostraram sensíveis à súplica da mulher. Em vez de se compadecerem com seu sofrimento, eles apenas intercedem para que Jesus a afaste, já que a angústia dela os incomodava. Para eles, a mulher representava um problema, e a solução proposta era simplesmente afastar esse problema.

No entanto, todos os problemas que surgem em nossas vidas devem ser vistos como verdadeiras oportunidades de crescimento. Um desafio superado é sinônimo de evolução espiritual. Aqueles que já despertaram para sua realidade cósmica buscam aprender com as adversidades.

Por outro lado, muitas pessoas ainda se movimentam pelo mundo em um estado de "consciência adormecida", sem reconhecer o poder terapêutico e pedagógico das dificuldades que a vida lhes apresenta.

Todo sofrimento humano decorre da falta de compreensão de que estamos no mundo para evoluir por meio das mais diversas circunstâncias e desafios. Por isso, a habilidade de enfrentar os obstáculos da vida, sem recorrer a mecanismos de fuga, representa o terceiro degrau para se alcançar o reino de Deus.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos continua. Diante da sugestão deles, Jesus se dirige à mulher e responde: "Eu fui mandado apenas para as ovelhas perdidas do povo de Israel.

À primeira vista, parece que Jesus está dizendo que não pode ajudá-la. No entanto, a mensagem que o Mestre deseja transmitir é muito mais profunda do que aquela que se depreende de uma leitura superficial do texto.

É admirável que o Mestre use a expressão "fui mandado", com o objetivo de demonstrar sua total obediência à vontade do Pai. Embora Cristo seja o Governador do Planeta e, nessa condição, pudesse se dirigir a todos os corações ao redor do mundo, o Pai o enviou especificamente para aquele pequeno território. Jesus, por sua vez, respeitava e obedecia plenamente à vontade de Deus.

Respeitar a vontade do Pai e aceitar o próprio projeto encarnatório são formas de expressar amor a Deus. Jesus afirmou que este é o primeiro e maior mandamento: amar a Deus acima de todas as coisas.

Aceitar o projeto encarnatório é depositar confiança em Deus, independentemente dos problemas que possam surgir na vida. Este é o quarto degrau que conduz ao reino de Deus.

A mulher, por sua vez, não desiste. Cheia de fé e amor, ela se prostra aos pés de Cristo e implora: "Senhor, ajuda-me."

Ao final do diálogo, Jesus dirige à mulher sua última frase antes de abençoá-la e partir. E como é no final que sempre estão reservadas as maiores surpresas e as lições mais profundas, Jesus olha-a nos olhos e diz: "Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos.”

Numa primeira leitura, e de acordo com as tradições judaicas da época, é correto concluir que os "filhos" se referem aos judeus, enquanto os "cães" representam os estrangeiros. No entanto, ciente da dureza da expressão "cães", Jesus opta por usar o termo no diminutivo, suavizando assim o impacto.

Refletindo sobre esse trecho, podemos nos perguntar: quantas vezes oramos a Deus, suplicando socorro para nossas necessidades, e a vida nos responde de forma ainda mais dura? Como reagimos diante das severas provações da vida, especialmente quando tudo parece indicar que Deus nos abandonou?

Imagine a situação daquela mulher: ela estava diante de Cristo, face a face, implorando por socorro, e Ele lhe diz que não pode tirar o pão dos filhos para dar aos "cachorrinhos". E se fossemos nós nessa situação, implorando por ajuda e recebendo o que poderia ser interpretado como um desprezo em resposta? Como reagiríamos? Quais sentimentos guardaríamos em nosso coração?

A resposta a essas indagações servirá como um espelho para a graduação de nossa humildade, caso a possuamos. A humildade é, após o amor, a força mais poderosa da alma. Não é à toa que ela faz parte das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os humildes, porque deles é o reino dos céus." A humildade representa o quinto degrau que nos conduz ao reino de Deus.

Humildade é a aceitação do outro e da vida como ela é, sem reações impulsivas, mas com uma compreensão profunda de todas as circunstâncias. Emmanuel nos ensina que ser humilde é abençoar sempre; mesmo quando temos o direito de reclamar e protestar, o coração humilde apenas abençoa.

A humildade se manifesta claramente na reação da mulher estrangeira que, mesmo comparada a um cachorro, ofereceu a Jesus uma das respostas mais belas de todo o Evangelho: "Sim, Senhor, é verdade; mas até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos."

O amor verdadeiro é um sentimento puro, desprovido das manchas das deformidades morais, como ciúme, melindre, recalque, vaidade, orgulho e egoísmo. Um coração que ama verdadeiramente emite tanta luminosidade que não se ofende diante de qualquer provocação. Ele jamais se sente diminuído; conhece e aceita o seu lugar no mundo. Acima de todas as circunstâncias da vida, o coração que ama permanece fiel a Deus e sempre respeita a Sua soberana vontade.

A mulher do evangelho, impulsionada pelo amor que carregava em sua alma, não se sente humilhada ou desprezada, mesmo sendo comparada a um cachorro. Ela não questiona sua situação; ao contrário, aceita seu lugar no mundo sem desejar ocupar o espaço reservado por Deus para outros. Demonstrando uma humildade e fé incomparáveis, ela se contenta com as migalhas.

Diante dessa mulher virtuosa, Jesus não intervém, pois não há necessidade. Ela já havia construído em seu coração o Reino de Deus, utilizando os ingredientes do amor, da fé, da resiliência e da humildade.

Por isso, o Mestre lhe diz: "Mulher, é grande a sua fé! Seja feito como você quer." E, a partir desse momento, sua filha fica curada.