Mostrando postagens com marcador humildade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador humildade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 6 de junho de 2017

JESUS E A MULHER SIRO-FENÍCIA



Conta-se no Evangelho segundo Mateus (Mt 15,21-28) que, em certo momento de sua jornada, Jesus decide adentrar terras estrangeiras, especificamente na região da Fenícia, em direção a Sidon e Tiro. Lá, ele encontra uma mulher cujo nome e características físicas não são detalhados. O texto informa apenas que ela era grega, de origem siro-fenícia, e, portanto, não pertencia a nenhuma das 12 tribos de Israel; era, assim, uma mulher estrangeira.

Os judeus do mundo antigo costumavam desprezar os estrangeiros, reservando para eles termos ofensivos como "gentios", "imundos" e "cães desprezíveis". Evitavam misturar-se com os gentios, embora em alguns momentos de sua história tenham se relacionado com estrangeiros. Esse desprezo era justificado pelo fato de serem o único povo monoteísta do mundo antigo, reconhecendo a existência de um único Deus, criador de todas as coisas, enquanto os demais povos adoravam múltiplos deuses representados por animais, estátuas e fenômenos da natureza.

Assim, o orgulho dos judeus não lhes permitia manter qualquer tipo de relacionamento com estrangeiros. Evitavam falar com eles e entrar em suas casas para não se contaminarem. Para os judeus daquela época, o mundo era dividido em dois tipos de povos: os judeus, eleitos do Senhor, e os gentios, considerados imundos e desprezíveis. Assim, qualquer pessoa que não fosse de origem judaica era automaticamente classificada na categoria de 'gentios', considerados imundos e desprezíveis.

O encontro de Jesus com a mulher anônima é contextualizado pelo profundo desprezo que os judeus sentiam pelos estrangeiros. Neste caso específico, o desprezo era ainda mais acentuado devido à origem siro-fenícia da mulher. Os judeus mantinham ressalvas particulares em relação ao povo fenício, resquícios de um episódio doloroso e significativo ocorrido em seu passado distante.

Esse episódio está documentado no Antigo Testamento, especificamente no primeiro livro de Reis. Trata-se do casamento entre o rei Acabe de Israel e a princesa fenícia Jesabel. Este casamento não foi apenas uma união pessoal, mas também uma aliança política e econômica entre Israel e a Fenícia. A relação entre Acabe e Jesabel acabou por trazer consequências negativas para o povo de Israel, marcando profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios.

A introdução do culto pagão ao deus Baal em Israel, um país monoteísta, foi uma das consequências mais controversas do casamento entre o rei Acabe e a princesa fenícia Jesabel. Na cultura fenícia, Baal era considerado a divindade da fertilidade do solo, e seu culto era marcado por práticas licenciosas e devassas, incluindo a chamada "prostituição divina", onde a promiscuidade sexual era a norma.

Este desvio religioso teve repercussões devastadoras para o povo de Israel. Algum tempo depois, Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu Israel e subjugou os judeus à escravidão por um período de 70 anos. Este foi um dos momentos mais sombrios e difíceis da história judaica, e muitos acreditavam que essa escravidão foi uma punição divina por terem se desviado para a idolatria.

Embora esses eventos tenham ocorrido em um passado distante, o impacto emocional e cultural ainda era palpável. A memória desses acontecimentos afetava profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios, mantendo uma barreira de desconfiança e ressentimento entre os dois povos.

No entanto, Jesus, o mestre dos mestres e terapeuta por excelência, desafia as convenções e preconceitos de sua época ao conduzir seus discípulos para um território que, para eles, era hostil. Ele utiliza a figura de uma mulher fenícia, tradicionalmente odiada e desprezada pelos judeus, como um veículo para transmitir lições inestimáveis de amor e fé.

O Evangelho relata que aqueles eram tempos difíceis para Jesus, pois os fariseus o perseguiam incansavelmente, buscando criar situações que justificassem sua prisão. Após ensinar sobre o Reino de Deus por meio de parábolas, Jesus decide se retirar da região da Galileia. Acompanhado de seus apóstolos, ele se dirige às cidades de Tiro e Sidon, na Fenícia (hoje parte do Líbano).

Ao se aproximarem da fronteira fenícia, perto de Sidon, uma mulher avista Jesus de longe. Ignorando as barreiras sociais e culturais que a separavam dele, ela sai de suas cercanias e corre em direção a Jesus. Quando finalmente o alcança, ela clama: "Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim!”

A mulher estrangeira, embora imersa em uma cultura pagã, demonstra um entendimento notável das tradições judaicas ao reconhecer Jesus como o "Filho de Davi". Essa expressão, profundamente enraizada na tradição judaica, é usada para se referir ao Messias esperado, que deveria ser um descendente da casa de Davi. É notável que ela, familiarizada com as tradições judaicas, reconheça em Jesus o Messias enviado.

Esse fato é particularmente intrigante quando consideramos que muitos judeus, especialmente os fariseus, não reconheciam nem aceitavam a missão messiânica de Jesus. No entanto, essa mulher, tão desprezada pelos judeus, não hesita em romper com as barreiras culturais e psicológicas que a cercam. Ela sai de seu território, enfrenta o preconceito e vai ao encontro de Jesus, buscando estabelecer uma conexão com Ele.

Romper barreiras e limitações impostas pelas imperfeições morais para priorizar o espírito em detrimento da matéria é, de fato, um movimento da alma que cultiva a fé. A fé é como um grão de mostarda: pequena em seu início, mas com o potencial de crescer robusta e forte se devidamente cultivada. Jesus afirmou que, se tivermos fé mesmo do tamanho de um grão de mostarda, nada nos será impossível. Assim, a fé se torna o primeiro degrau na jornada que nos conduz ao Reino de Deus.

A mulher siro-fenícia, em sua busca por Jesus, exemplifica essa jornada de fé. Ela não apenas reconhece a divindade de Jesus, mas também se aproxima dele com um pedido específico e urgente: "Minha filha está sendo cruelmente atormentada por um demônio.”

É interessante notar que ela não diz "tem piedade de minha filha", mesmo sendo a filha que estava doente. Em vez disso, ela afirma: "tem piedade de mim, porque minha filha está atormentada por um demônio". O texto nos revela um coração maternal, que sofre com a dor da filha. Afinal, que mãe consegue ser feliz quando tem um filho infeliz? Impossível! O amor maternal é especial: ele tudo suporta, tudo tolera e tudo sofre. É um amor que se doa, é paciente, nunca reclama e sempre perdoa.

Este é o modelo do amor que Jesus espera de todos nós, quando nos recomendou amarmos uns aos outros como Ele nos amou. O amor maternal é o modelo do amor universal. Jesus espera que amemos os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seu filho. O Mestre espera que possamos perdoar os outros como perdoamos os nossos filhos, e que sirvamos aos outros sem reclamar, assim como fazemos com nossos filhos. Isso porque a nossa capacidade de amar é um reflexo direto da nossa estatura moral e espiritual. A cor, o brilho e a frequência vibratória do nosso corpo espiritual estão intrinsecamente relacionados com o amor que irradiamos a nossa volta.

No livro "Voltei", de Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito que usou o pseudônimo de Irmão Jacob, há um relato que ilustra essa ideia. O espírito conta que se sentiu envergonhado ao perceber, no mundo espiritual, que a luminosidade de seu perispírito era visivelmente inferior à dos outros espíritos, que exibiam uma luminosidade muito maior. O que eleva um espírito acima do outro não são seus conhecimentos acadêmicos ou suas conquistas materiais no mundo terreno, mas sim sua capacidade de amar os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seus filhos. O amor, juntamente com a fé, constitui o segundo degrau na jornada para alcançar o reino de Deus.

Prosseguindo no texto, diante do apelo da mulher, Jesus opta pelo silêncio. Em resposta, os discípulos se aproximam dele e dizem: "Senhor, manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós."

Os discípulos de Jesus não se mostraram sensíveis à súplica da mulher. Em vez de se compadecerem com seu sofrimento, eles apenas intercedem para que Jesus a afaste, já que a angústia dela os incomodava. Para eles, a mulher representava um problema, e a solução proposta era simplesmente afastar esse problema.

No entanto, todos os problemas que surgem em nossas vidas devem ser vistos como verdadeiras oportunidades de crescimento. Um desafio superado é sinônimo de evolução espiritual. Aqueles que já despertaram para sua realidade cósmica buscam aprender com as adversidades.

Por outro lado, muitas pessoas ainda se movimentam pelo mundo em um estado de "consciência adormecida", sem reconhecer o poder terapêutico e pedagógico das dificuldades que a vida lhes apresenta.

Todo sofrimento humano decorre da falta de compreensão de que estamos no mundo para evoluir por meio das mais diversas circunstâncias e desafios. Por isso, a habilidade de enfrentar os obstáculos da vida, sem recorrer a mecanismos de fuga, representa o terceiro degrau para se alcançar o reino de Deus.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos continua. Diante da sugestão deles, Jesus se dirige à mulher e responde: "Eu fui mandado apenas para as ovelhas perdidas do povo de Israel.

À primeira vista, parece que Jesus está dizendo que não pode ajudá-la. No entanto, a mensagem que o Mestre deseja transmitir é muito mais profunda do que aquela que se depreende de uma leitura superficial do texto.

É admirável que o Mestre use a expressão "fui mandado", com o objetivo de demonstrar sua total obediência à vontade do Pai. Embora Cristo seja o Governador do Planeta e, nessa condição, pudesse se dirigir a todos os corações ao redor do mundo, o Pai o enviou especificamente para aquele pequeno território. Jesus, por sua vez, respeitava e obedecia plenamente à vontade de Deus.

Respeitar a vontade do Pai e aceitar o próprio projeto encarnatório são formas de expressar amor a Deus. Jesus afirmou que este é o primeiro e maior mandamento: amar a Deus acima de todas as coisas.

Aceitar o projeto encarnatório é depositar confiança em Deus, independentemente dos problemas que possam surgir na vida. Este é o quarto degrau que conduz ao reino de Deus.

A mulher, por sua vez, não desiste. Cheia de fé e amor, ela se prostra aos pés de Cristo e implora: "Senhor, ajuda-me."

Ao final do diálogo, Jesus dirige à mulher sua última frase antes de abençoá-la e partir. E como é no final que sempre estão reservadas as maiores surpresas e as lições mais profundas, Jesus olha-a nos olhos e diz: "Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos.”

Numa primeira leitura, e de acordo com as tradições judaicas da época, é correto concluir que os "filhos" se referem aos judeus, enquanto os "cães" representam os estrangeiros. No entanto, ciente da dureza da expressão "cães", Jesus opta por usar o termo no diminutivo, suavizando assim o impacto.

Refletindo sobre esse trecho, podemos nos perguntar: quantas vezes oramos a Deus, suplicando socorro para nossas necessidades, e a vida nos responde de forma ainda mais dura? Como reagimos diante das severas provações da vida, especialmente quando tudo parece indicar que Deus nos abandonou?

Imagine a situação daquela mulher: ela estava diante de Cristo, face a face, implorando por socorro, e Ele lhe diz que não pode tirar o pão dos filhos para dar aos "cachorrinhos". E se fossemos nós nessa situação, implorando por ajuda e recebendo o que poderia ser interpretado como um desprezo em resposta? Como reagiríamos? Quais sentimentos guardaríamos em nosso coração?

A resposta a essas indagações servirá como um espelho para a graduação de nossa humildade, caso a possuamos. A humildade é, após o amor, a força mais poderosa da alma. Não é à toa que ela faz parte das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os humildes, porque deles é o reino dos céus." A humildade representa o quinto degrau que nos conduz ao reino de Deus.

Humildade é a aceitação do outro e da vida como ela é, sem reações impulsivas, mas com uma compreensão profunda de todas as circunstâncias. Emmanuel nos ensina que ser humilde é abençoar sempre; mesmo quando temos o direito de reclamar e protestar, o coração humilde apenas abençoa.

A humildade se manifesta claramente na reação da mulher estrangeira que, mesmo comparada a um cachorro, ofereceu a Jesus uma das respostas mais belas de todo o Evangelho: "Sim, Senhor, é verdade; mas até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos."

O amor verdadeiro é um sentimento puro, desprovido das manchas das deformidades morais, como ciúme, melindre, recalque, vaidade, orgulho e egoísmo. Um coração que ama verdadeiramente emite tanta luminosidade que não se ofende diante de qualquer provocação. Ele jamais se sente diminuído; conhece e aceita o seu lugar no mundo. Acima de todas as circunstâncias da vida, o coração que ama permanece fiel a Deus e sempre respeita a Sua soberana vontade.

A mulher do evangelho, impulsionada pelo amor que carregava em sua alma, não se sente humilhada ou desprezada, mesmo sendo comparada a um cachorro. Ela não questiona sua situação; ao contrário, aceita seu lugar no mundo sem desejar ocupar o espaço reservado por Deus para outros. Demonstrando uma humildade e fé incomparáveis, ela se contenta com as migalhas.

Diante dessa mulher virtuosa, Jesus não intervém, pois não há necessidade. Ela já havia construído em seu coração o Reino de Deus, utilizando os ingredientes do amor, da fé, da resiliência e da humildade.

Por isso, o Mestre lhe diz: "Mulher, é grande a sua fé! Seja feito como você quer." E, a partir desse momento, sua filha fica curada.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A CARIDADE E A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO



Certa vez, ao ser interrogado por um doutor da lei sobre quem seria seu próximo, Jesus poderia, simplesmente, ter explicado que o próximo é todo aquele que se aproxima de nós. No entanto, Ele preferiu contar uma parábola rica em ensinamentos, de modo que, ao nos recordarmos dela, todo o seu conteúdo nos venha à mente, e jamais nos esqueçamos dessa referência valiosa.

Então, para responder aos discípulos, narrou Jesus: -

"Descia um homem de Jerusalém para Jericó quando caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando aquele lugar, vendo-o, passou de largo. Mas, um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar”.

Ao terminar de narrar a história, Jesus se volta aos discípulos e lhes propõe: "Quem foi o próximo do homem caído?"

Naturalmente, os discípulos já não tinham mais dúvidas sobre quem era o próximo do homem caído.

A parábola se inicia fazendo referência ao movimento de um homem: ele descia de Jerusalém a Jericó.

É interessante a utilização do verbo "descer", quando o mais natural seria dizer que o homem ia ou viajava de Jerusalém a Jericó.

Todavia, Jerusalém é uma cidade alta na Judeia, enquanto Jericó está situada mais abaixo. Geograficamente, qualquer pessoa que vai de Jerusalém a Jericó estará, de fato, descendo.

Ocorre que há uma simbologia envolvendo as cidades de Jerusalém e Jericó, revelando que Jesus Cristo quis nos transmitir muito mais.

Para os judeus, a cidade de Jerusalém possuía uma simbologia especial, sendo considerada sagrada e santa. Era lá que estava localizado o maior templo judaico, o Templo de Salomão, que foi destruído várias vezes ao longo da história. Ainda hoje, os judeus lamentam a queda do templo junto à única parede que restou dele, conhecida mundialmente como o Muro das Lamentações.

Jerusalém era, portanto, a cidade mais sagrada de toda a Judeia, correspondendo, nas devidas proporções, ao que o Vaticano representa para os católicos nos dias de hoje. Foi por isso que Jesus mencionou que o homem descia de Jerusalém; Ele poderia ter dito que o homem descia de qualquer outra cidade alta da Judeia, mas escolheu referenciar a mais relevante, a capital espiritual do Judaísmo.


Por outro lado, Jericó era a cidade mais próspera da Judeia, sendo o centro dos negócios, dos cambistas e dos grandes mercados, onde ocorriam trocas de dinheiro e onde residiam as grandes personalidades do mundo dos negócios. Seria, numa comparação com os dias de hoje, como a cidade de São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, enfim, uma dessas cidades onde o dinheiro circula com facilidade.

Por isso, quando Jesus cita Jerusalém, Ele se refere a uma cidade espiritualizada e, ao mencionar Jericó, Ele evoca uma cidade ligada às coisas materiais, ao dinheiro, ao poder, sem vínculo com as questões espirituais.

Neste cenário, destaca-se a referência à "descida". É a descida vibratória a que Jesus se referia, e não meramente geográfica. Qualquer um que deixa Jerusalém em busca de Jericó está, espiritualmente, baixando sua vibração; pois qualquer pessoa que abandona os interesses espirituais para buscar os prazeres materiais realiza um movimento de descida. E, nessa descida vibratória, todo e qualquer caminhante sofre assaltos da perturbação, fica tombado, sob obsessão, necessitando do auxílio alheio, do socorro de terceiros. Isso porque, na maioria das vezes, a criatura caída, tombada, assaltada, obcecada pelo caminho que escolheu, não consegue, por si só, sair do estado em que se encontra.

Pontuando sua narrativa para nos deixar profundos ensinamentos, Jesus ressalta que o homem tombado, assaltado, caído à beira da estrada, precisa de ajuda. Então, Ele elege, coincidentemente, o sacerdote para ser o primeiro a encontrar o necessitado.

Não foi por acaso que Jesus mencionou o sacerdote. Para o judaísmo, o sacerdote era um dos indivíduos que viviam a intimidade dos conhecimentos da maior sinagoga. Ele detinha o conhecimento das coisas espirituais, embora esses conhecimentos ainda não tivessem despertado sua sensibilidade, como frequentemente acontece. Existem pessoas repletas de sabedoria e conhecimento, saturadas de conteúdo, mas que não vivenciam esses conhecimentos.

É interessante observar que a doutrina espírita, na questão 780, nos ensina que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual, embora decorra deste. Ao adquirir conhecimentos, é importante aplicá-los e vivenciá-los. Contudo, há muitos que possuem o conhecimento mas não o vivem. Por isso, o sacerdote, que sabia tantas coisas de Deus, viu o homem caído na estrada e não se sensibilizou a ponto de socorrê-lo.

Logo depois, prossegue Jesus, vinha um levita. Mas o que era um levita? Era também um sacerdote do templo, de um grau mais avançado que o primeiro. O levita era o sacerdote que reunia um profundo conhecimento da legislação judaica. Era um homem muito culto e respeitado na sociedade judaica. No entanto, apesar de sua cultura, amparar e socorrer um caído no caminho não era para ele, evidenciando assim que todo o conhecimento que acumulava não lhe tocava o coração.

Assim, Jesus, que jamais pronunciou uma palavra que não tivesse um profundo sentido, se vale de uma situação histórica do povo judeu para contar que, depois dos dois sacerdotes, vinha um samaritano. O Mestre poderia ter dito apenas que, depois dos sacerdotes, cheios de conhecimento e sem tempo para socorrer o caído no caminho, vinha um homem. Poderia ter dito que era um homem desconhecido, mas Ele especificou que foi um Samaritano. Mas por que um Samaritano? Não foi por acaso que Jesus escolheu um Samaritano para praticar a maior caridade para com o próximo do caminho.

É que havia uma rixa muito grande e secular entre judeus e samaritanos. Ambos procediam do mesmo tronco, da mesma raça, mas entre esses dois povos havia um desentendimento quanto à forma de adorar a Deus. Os judeus, que adoravam a Deus no Templo de Salomão, na maior sinagoga, nutriam um grande desprezo pelos samaritanos, considerados pessoas vulgares, da pior espécie, porque os samaritanos adoravam a Deus no Monte Gerizim e não no templo maior.

Por isso, Jesus utilizou um samaritano para ser o personagem caridoso, com a missão de socorrer o próximo. Ele poderia ter se referido a um homem de qualquer outra cidade, mas fez questão de mencionar alguém de Samaria. Jesus quis mostrar que aquele homem, contra quem os judeus tinham todas as reservas, possuía um coração capaz de servir.

Com isso, Jesus quis ensinar que o importante não são as coisas materiais que possuímos, não é a roupa que vestimos, não é o título que ostentamos, mas sim a realidade que vivemos em nosso interior. Aqueles dois sacerdotes eram indivíduos de alta consideração na sociedade da época, diante dos quais o povo prestava todas as honras. Por isso, Jesus retrata os nobres da Terra, os respeitáveis da Terra, como insensíveis, e alguém que é malvisto no mundo como alguém capaz de prestar serviço ao próximo.

Infelizmente, a humanidade ainda hoje se conduz de maneira semelhante, pois os valores que se atribuem às pessoas que se vestem bem, que ostentam posição social elevada, que possuem títulos sociais e acadêmicos, não são os mesmos atribuídos às pessoas que se vestem de maneira simples e que têm uma apresentação social mais humilde. 

Quantas vezes nos deparamos com pessoas necessitadas de socorro, precisando de auxílio, e fingimos que não as vemos, porque o necessitado só nos trará trabalho. Quantas vezes, ao encontrarmos em nosso caminho alguém em necessidade material ou em desequilíbrio psíquico, nos desviamos, como fizeram os sacerdotes. Temos conhecimentos que adquirimos com a doutrina espírita, mas não estamos impregnados com o conhecimento adquirido e, diante do necessitado que se apresenta a nós, não temos tempo para auxiliá-lo, pois temos nossos afazeres, assim como tinham o sacerdote e o levita, mencionados por Jesus na parábola.

Mas o samaritano, ao encontrar o necessitado, ferido, caído, desceu de sua montaria e limpou suas feridas. Poderia ter deixado o ferido ali; afinal, o samaritano já lhe prestara os primeiros socorros. Poderia ter voltado para seu cavalo e continuado sua viagem. Já tinha feito sua parte. Assim como nós fazemos, diante de alguém em necessidade que nos pede auxílio. Se é alguém com fome, damos-lhe um prato de comida; se é alguém em sofrimento, oferecemos-lhe uma palavra confortadora; se é alguém com frio, vestimos a pessoa, cumprindo assim a nossa parte.

No entanto, a proposta do Evangelho vai além. Jesus deseja que nossas ações diante do próximo sejam movidas por caridade e não se limitem a mera assistência. E a caridade requer acompanhamento. Assim, o Mestre prossegue a narrativa, dizendo que o samaritano, além de cuidar das feridas do homem, levou-o a uma hospedaria. Deu ao estalajadeiro dinheiro para cuidar do enfermo e ainda assegurou que qualquer gasto adicional com o socorrido seria ressarcido. Eis o acompanhamento a que Jesus se referia. Não basta apenas atender ao necessitado; é preciso cuidar dele, fazer com que ele sinta que pensamos nele, que nos preocupamos com ele e que desejamos intensamente o seu bem. Esse é o verdadeiro sentido da caridade, conforme Jesus nos ensinou.