No relato da parábola do fermento, presente em Lucas 13:21, Jesus utiliza símbolos e imagens singelas para veicular ensinamentos espirituais. Estes temas, conectados à neuroespiritualidade, foram mais tarde elucidados à humanidade através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier no livro "No Mundo Maior.
Diz a parábola,
A que é semelhante o Reino de Deus e com o que posso compará-lo? É semelhante a um fermento que uma mulher tomou e misturou em três partes da massa, até a massa toda ficar levedada.
A expressão "Reino de Deus" é uma das mais recorrentes nas palavras de Jesus, conforme registrado nos quatro evangelhos. Isso por si só sinaliza a centralidade e a profundidade desse conceito em sua mensagem, convidando-nos a uma reflexão profunda sobre seu significado.
Neste sentido, Lucas 17, 20-21 é particularmente revelador quanto a este conceito.
No episódio mencionado, um fariseu, que representa aqui uma compreensão mais literal e expectante da vinda do Reino, indaga a Jesus sobre o tempo e o modo de sua manifestação. Muitos, na época, ansiavam por um reino tangível, um evento espetacular na sequência histórica que mudaria a ordem das coisas.
A resposta de Jesus, contudo, desconstrói essa expectativa. Ele declara que o Reino de Deus não se manifesta através de indicativos externos visíveis. Não é um evento que possamos apontar e dizer: "Veja, está aqui!" ou "Lá está!". Em vez disso, Jesus apresenta uma perspectiva transcendental e, ao mesmo tempo, profundamente pessoal: o Reino de Deus está intrinsecamente ligado à intimidade do ser humano, à sua essência e consciência. Em outras palavras, não é apenas um fenômeno exterior a ser observado, mas uma realidade interna a ser vivenciada e realizada dentro de cada indivíduo.
A forma como Jesus responde ao fariseu revela que o termo "Reino de Deus", de fato, guarda uma profunda conexão com a dimensão imaterial do ser, refletindo a consciência e o psiquismo humano.
A Parábola do Fermento se torna um paralelo instrutivo para este entendimento. Fermento, por sua natureza, é um agente de transformação. Ele trabalha de dentro para fora, modificando a essência da massa, tornando-a mais leve e expansiva. Ao fazer referência a três medidas de fermento, Jesus não apenas destaca a ideia de transformação, mas também a ideia de completude.
A metáfora do pão, especialmente no contexto judaico-cristão, é rica em significados e implicações. Na tradição bíblica, o pão tem sido frequentemente associado à providência divina e ao sustento espiritual.
A Parábola do Fermento, com sua ênfase na transformação da massa por meio do fermento, nos oferece uma visão do processo de desenvolvimento e maturação espiritual. Assim como o pão precisa passar por várias etapas - desde a escolha dos ingredientes, a mistura, o tempo de fermentação e, finalmente, o cozimento - a jornada espiritual de um indivíduo também é marcada por fases distintas de crescimento, aprendizado e transformação.
É intrigante notar que o texto apresenta uma fórmula – adição de fermento em três partes da massa – que garante a fermentação de toda a massa, até que esteja pronta para ser assada e transformar-se em pão.
A simbologia do pão na tradição cristã é profundamente enraizada e multifacetada. O pão, em muitas culturas e tradições, é visto como o sustento básico da vida. Em um contexto mais amplo, representa a satisfação das necessidades humanas – tanto físicas quanto espirituais.
Provavelmente, esse é o intuito de Jesus ao se proclamar o "pão da vida" (João 6:48). Assim como o pão alimenta e fornece energia ao corpo, a presença e os ensinamentos do Cristo buscam nutrir e revitalizar o espírito humano. Neste contexto, "vida" refere-se a uma existência enriquecida e plena, não apenas em termos de longevidade, mas de qualidade e profundidade espiritual.
Se o pão é o alimento que sacia a fome, Jesus, ao se autodenominar o "pão da vida" (João 6:48), faz uma alusão a um padrão psíquico, sem dúvida. E, neste caso, o pão pode ser interpretado como um símbolo do espírito que atingiu a plenitude espiritual e mantém uma conexão íntima e perfeita com Deus.
A Parábola do Fermento aborda o processo pelo qual o espírito (psiquismo humano) se desenvolve através das inúmeras experiências encarnatórias, até atingir o padrão de Cristo e ser comparado ao pão, elemento que nutre e sacia a fome.
Neste contexto, as lições presentes no livro "No Mundo Maior", de autoria do espírito André Luiz e psicografado por Francisco Cândido Xavier, trazem esclarecimentos valiosos. No terceiro capítulo da referida obra, o benfeitor espiritual Calderaro aborda o tema "Casa Mental" ou "Castelo de Três Andares". Esta analogia é utilizada para exemplificar o psiquismo humano, dividido em "três andares". Essa divisão encapsula toda a trajetória evolutiva do ser, bem como as potencialidades que são intrínsecas a ele. Estas potencialidades residem no interior do indivíduo, à espera de serem despertadas, assim como sementes prontas para germinar.
Esclarece, assim, Calderado:
O cérebro é o órgão sagrado de manifestação da mente, em trânsito da animalidade primitiva para a espiritualidade humana. Nessa penosa romagem, inúmeros milênios decorreram sobre nós. Estamos, em todas as épocas, abandonando esferas inferiores, a fim de escalar as superiores.
O tema não ficou restrito apenas a esfera do espiritismo. A neurociência também se debruça sobre ele. Em 1970, o neurocientista Paul MacLean, após pesquisar a estrutura encefálica, propôs o conceito do cérebro triuno. Este conceito também sugere uma estrutura cerebral dividida em três regiões, que se sobrepuseram durante a evolução da espécie humana, muito alinhado ao que foi mencionado anteriormente em "No Mundo Maior", publicado em 1947.
A análise das estruturas que formam a mente, constituindo a 'casa mental', e aquelas presentes no corpo físico, como o cérebro, é crucial para a compreensão da Parábola do Fermento.
Essa conexão entre a visão espiritual e científica é fascinante e ajuda a criar um diálogo entre as duas áreas, mostrando que, em muitos casos, elas podem estar apontando para a mesma verdade a partir de perspectivas diferentes.
As três porções de fermento mencionadas na parábola fazem referência às três estruturas que compõem o modelo da casa mental. Esses andares ou estruturas representam conquistas do espírito ao longo de seu processo evolutivo.
A analogia é perfeita. A massa só fermenta quando se adicionam as três porções de fermento. Da mesma forma, o espírito só atinge a perfeição, à semelhança do Cristo (Pão da Vida), quando suas conquistas estão solidificadas em sua casa mental. Além disso, é essencial manter a harmonia entre as três estruturas que a compõem. Não estamos falando de três cérebros, mas de um único cérebro com três departamentos que interagem constantemente.
No primeiro andar, encontram-se as conquistas do espírito no domínio dos instintos, que garantiram sua sobrevivência ao longo dos milênios. Esse andar é um arquivo do passado. Nele estão armazenadas as energias mais primitivas, os hábitos, automatismos, impulsos e tendências. Pode-se afirmar que o primeiro andar representa o "homem velho", prisioneiro de suas paixões, vícios e perturbações instintivas. Quando o ser age por impulso ou de forma automática, está acessando as energias desse primeiro patamar da casa mental.
No segundo andar encontram-se as conquistas recentes. Esse é o departamento do esforço e da vontade, o lugar onde as qualidades nobres estão sendo construídas e solidificadas. É deste segundo patamar que surgem os esforços necessários para domar as más tendências, adquiridas ao longo da evolução e arquivadas no primeiro andar da casa mental.
Quando o ser desperta para a realidade de sua natureza imortal em direção a Deus e entende que Jesus é o modelo, deixando-se guiar por Suas lições, estabelece-se uma verdadeira sintonia com as energias que emanam, em forma de convites e inspirações, do terceiro andar. O segundo andar é o departamento que abriga as conquistas recentes no âmbito da virtude e dos sentimentos.
Por fim, o terceiro andar é o refúgio das noções mais elevadas. Representa o futuro e o ser cósmico que está latente dentro do ser humano, conforme as palavras de Jesus: "Vós sois deuses". Nesse terceiro nível da mente residem os ideais nobres e as aspirações elevadas que o indivíduo busca alcançar. É a representação do homem novo, já consolidado. É ali que se encontram gravadas as leis divinas, como mencionado na questão 621 do Livro dos Espíritos.
Quando Paulo de Tarso proferiu a famosa frase, ao final de sua vida, "não sou eu mais quem vive, mas o Cristo que vive em mim", ele estava sob as energias inspiradoras do terceiro andar de sua casa mental.
Neste prisma, pode-se afirmar que todos os conflitos humanos, as enfermidades e as dificuldades que experimentamos na vida decorrem da nossa inércia em educarmos essas energias psíquicas, especialmente aquelas que se encontram no porão da consciência, o primeiro andar da casa mental.
O maior desafio de nossa atual encarnação é desenvolver o segundo andar da casa mental. Para isso, devemos utilizar as ferramentas do esforço e da vontade, a fim de superarmos tendências inferiores, hábitos animalizados e paixões asselvajadas. Assim, damos aos instintos — forças da alma — uma direção nobre, colocando-os a serviço de nossa evolução moral.
Do terceiro andar, por enquanto, apenas recebemos inspirações e convites voltados à prática do bem. Ao estabelecer harmonia entre as energias que emanam do primeiro e segundo andares, nos capacitamos a viver segundo o padrão mental presente no terceiro andar. Dessa maneira, alcançamos a consciência cósmica em plena sintonia com Deus.
É neste ponto que a massa é levedada e está pronta para se tornar pão, saciando a fome. "Pois àquele que vai ao Cristo, de modo algum sentirá fome (João 6:35)."