Certa vez, ao ser interrogado por um doutor da lei sobre quem seria seu próximo, Jesus poderia, simplesmente, ter explicado que o próximo é todo aquele que se aproxima de nós. No entanto, Ele preferiu contar uma parábola rica em ensinamentos, de modo que, ao nos recordarmos dela, todo o seu conteúdo nos venha à mente, e jamais nos esqueçamos dessa referência valiosa.
Então, para responder aos discípulos, narrou Jesus: -
"Descia um homem de Jerusalém para Jericó quando caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando aquele lugar, vendo-o, passou de largo. Mas, um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar”.
Ao terminar de narrar a história, Jesus se volta aos discípulos e lhes propõe: "Quem foi o próximo do homem caído?"
Naturalmente, os discípulos já não tinham mais dúvidas sobre quem era o próximo do homem caído.
A parábola se inicia fazendo referência ao movimento de um homem: ele descia de Jerusalém a Jericó.
É interessante a utilização do verbo "descer", quando o mais natural seria dizer que o homem ia ou viajava de Jerusalém a Jericó.
Todavia, Jerusalém é uma cidade alta na Judeia, enquanto Jericó está situada mais abaixo. Geograficamente, qualquer pessoa que vai de Jerusalém a Jericó estará, de fato, descendo.
Ocorre que há uma simbologia envolvendo as cidades de Jerusalém e Jericó, revelando que Jesus Cristo quis nos transmitir muito mais.
Para os judeus, a cidade de Jerusalém possuía uma simbologia especial, sendo considerada sagrada e santa. Era lá que estava localizado o maior templo judaico, o Templo de Salomão, que foi destruído várias vezes ao longo da história. Ainda hoje, os judeus lamentam a queda do templo junto à única parede que restou dele, conhecida mundialmente como o Muro das Lamentações.
Jerusalém era, portanto, a cidade mais sagrada de toda a Judeia, correspondendo, nas devidas proporções, ao que o Vaticano representa para os católicos nos dias de hoje. Foi por isso que Jesus mencionou que o homem descia de Jerusalém; Ele poderia ter dito que o homem descia de qualquer outra cidade alta da Judeia, mas escolheu referenciar a mais relevante, a capital espiritual do Judaísmo.
Por outro lado, Jericó era a cidade mais próspera da Judeia, sendo o centro dos negócios, dos cambistas e dos grandes mercados, onde ocorriam trocas de dinheiro e onde residiam as grandes personalidades do mundo dos negócios. Seria, numa comparação com os dias de hoje, como a cidade de São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, enfim, uma dessas cidades onde o dinheiro circula com facilidade.
Por isso, quando Jesus cita Jerusalém, Ele se refere a uma cidade espiritualizada e, ao mencionar Jericó, Ele evoca uma cidade ligada às coisas materiais, ao dinheiro, ao poder, sem vínculo com as questões espirituais.
Neste cenário, destaca-se a referência à "descida". É a descida vibratória a que Jesus se referia, e não meramente geográfica. Qualquer um que deixa Jerusalém em busca de Jericó está, espiritualmente, baixando sua vibração; pois qualquer pessoa que abandona os interesses espirituais para buscar os prazeres materiais realiza um movimento de descida. E, nessa descida vibratória, todo e qualquer caminhante sofre assaltos da perturbação, fica tombado, sob obsessão, necessitando do auxílio alheio, do socorro de terceiros. Isso porque, na maioria das vezes, a criatura caída, tombada, assaltada, obcecada pelo caminho que escolheu, não consegue, por si só, sair do estado em que se encontra.
Pontuando sua narrativa para nos deixar profundos ensinamentos, Jesus ressalta que o homem tombado, assaltado, caído à beira da estrada, precisa de ajuda. Então, Ele elege, coincidentemente, o sacerdote para ser o primeiro a encontrar o necessitado.
Não foi por acaso que Jesus mencionou o sacerdote. Para o judaísmo, o sacerdote era um dos indivíduos que viviam a intimidade dos conhecimentos da maior sinagoga. Ele detinha o conhecimento das coisas espirituais, embora esses conhecimentos ainda não tivessem despertado sua sensibilidade, como frequentemente acontece. Existem pessoas repletas de sabedoria e conhecimento, saturadas de conteúdo, mas que não vivenciam esses conhecimentos.
É interessante observar que a doutrina espírita, na questão 780, nos ensina que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual, embora decorra deste. Ao adquirir conhecimentos, é importante aplicá-los e vivenciá-los. Contudo, há muitos que possuem o conhecimento mas não o vivem. Por isso, o sacerdote, que sabia tantas coisas de Deus, viu o homem caído na estrada e não se sensibilizou a ponto de socorrê-lo.
Logo depois, prossegue Jesus, vinha um levita. Mas o que era um levita? Era também um sacerdote do templo, de um grau mais avançado que o primeiro. O levita era o sacerdote que reunia um profundo conhecimento da legislação judaica. Era um homem muito culto e respeitado na sociedade judaica. No entanto, apesar de sua cultura, amparar e socorrer um caído no caminho não era para ele, evidenciando assim que todo o conhecimento que acumulava não lhe tocava o coração.
Assim, Jesus, que jamais pronunciou uma palavra que não tivesse um profundo sentido, se vale de uma situação histórica do povo judeu para contar que, depois dos dois sacerdotes, vinha um samaritano. O Mestre poderia ter dito apenas que, depois dos sacerdotes, cheios de conhecimento e sem tempo para socorrer o caído no caminho, vinha um homem. Poderia ter dito que era um homem desconhecido, mas Ele especificou que foi um Samaritano. Mas por que um Samaritano? Não foi por acaso que Jesus escolheu um Samaritano para praticar a maior caridade para com o próximo do caminho.
É que havia uma rixa muito grande e secular entre judeus e samaritanos. Ambos procediam do mesmo tronco, da mesma raça, mas entre esses dois povos havia um desentendimento quanto à forma de adorar a Deus. Os judeus, que adoravam a Deus no Templo de Salomão, na maior sinagoga, nutriam um grande desprezo pelos samaritanos, considerados pessoas vulgares, da pior espécie, porque os samaritanos adoravam a Deus no Monte Gerizim e não no templo maior.
Por isso, Jesus utilizou um samaritano para ser o personagem caridoso, com a missão de socorrer o próximo. Ele poderia ter se referido a um homem de qualquer outra cidade, mas fez questão de mencionar alguém de Samaria. Jesus quis mostrar que aquele homem, contra quem os judeus tinham todas as reservas, possuía um coração capaz de servir.
Com isso, Jesus quis ensinar que o importante não são as coisas materiais que possuímos, não é a roupa que vestimos, não é o título que ostentamos, mas sim a realidade que vivemos em nosso interior. Aqueles dois sacerdotes eram indivíduos de alta consideração na sociedade da época, diante dos quais o povo prestava todas as honras. Por isso, Jesus retrata os nobres da Terra, os respeitáveis da Terra, como insensíveis, e alguém que é malvisto no mundo como alguém capaz de prestar serviço ao próximo.
Infelizmente, a humanidade ainda hoje se conduz de maneira semelhante, pois os valores que se atribuem às pessoas que se vestem bem, que ostentam posição social elevada, que possuem títulos sociais e acadêmicos, não são os mesmos atribuídos às pessoas que se vestem de maneira simples e que têm uma apresentação social mais humilde.
Quantas vezes nos deparamos com pessoas necessitadas de socorro, precisando de auxílio, e fingimos que não as vemos, porque o necessitado só nos trará trabalho. Quantas vezes, ao encontrarmos em nosso caminho alguém em necessidade material ou em desequilíbrio psíquico, nos desviamos, como fizeram os sacerdotes. Temos conhecimentos que adquirimos com a doutrina espírita, mas não estamos impregnados com o conhecimento adquirido e, diante do necessitado que se apresenta a nós, não temos tempo para auxiliá-lo, pois temos nossos afazeres, assim como tinham o sacerdote e o levita, mencionados por Jesus na parábola.
Mas o samaritano, ao encontrar o necessitado, ferido, caído, desceu de sua montaria e limpou suas feridas. Poderia ter deixado o ferido ali; afinal, o samaritano já lhe prestara os primeiros socorros. Poderia ter voltado para seu cavalo e continuado sua viagem. Já tinha feito sua parte. Assim como nós fazemos, diante de alguém em necessidade que nos pede auxílio. Se é alguém com fome, damos-lhe um prato de comida; se é alguém em sofrimento, oferecemos-lhe uma palavra confortadora; se é alguém com frio, vestimos a pessoa, cumprindo assim a nossa parte.
No entanto, a proposta do Evangelho vai além. Jesus deseja que nossas ações diante do próximo sejam movidas por caridade e não se limitem a mera assistência. E a caridade requer acompanhamento. Assim, o Mestre prossegue a narrativa, dizendo que o samaritano, além de cuidar das feridas do homem, levou-o a uma hospedaria. Deu ao estalajadeiro dinheiro para cuidar do enfermo e ainda assegurou que qualquer gasto adicional com o socorrido seria ressarcido. Eis o acompanhamento a que Jesus se referia. Não basta apenas atender ao necessitado; é preciso cuidar dele, fazer com que ele sinta que pensamos nele, que nos preocupamos com ele e que desejamos intensamente o seu bem. Esse é o verdadeiro sentido da caridade, conforme Jesus nos ensinou.