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sábado, 9 de novembro de 2019

O CEGO DE JERICÓ




Jericó, uma cidade importante situada no Vale do Jordão, prosperou graças à sua agricultura e economia, o que a tornou atrativa para os negociantes em busca de lucro material. No contexto simbólico do evangelho, essa ênfase no materialismo fez com que Jericó fosse associada à busca humana por prazeres transitórios no mundo. 

Talvez por isso, o Evangelho de Marcos 10, 46-52, inicia pontuando que Jesus entrou e saiu rapidamente de Jericó. Depois, retornou com seus discípulos e uma grande multidão (Mc 10, 46). Este movimento do Cristo, entrar, sair rapidamente e entrar novamente, nos convida a uma reflexão com os olhos voltados para as questões materiais, em especial ao uso que fazemos dos recursos materiais que a providência divina nos emprestou nesta atual encarnação.

Neste início do texto nos propomos a nos questionar a respeito do quanto estamos envolvidos com as riquezas materiais de que dispomos, em especial nos questionarmos se estamos nos permitindo dominar por esses recursos.

Notemos o movimento do Cristo. Ele entra em Jericó, mas dali sai rapidamente. Mas, logo em seguida, entra novamente na cidade, devidamente acompanhado de seus discípulos e uma multidão. Podemos captar desta cena a seguinte mensagem: usar os bens materiais de que dispomos (entrar em Jericó) sem nos apegar a eles (sair rapidamente), e empregá-los em benefício do bem comum (entrar novamente com os discípulos e uma multidão).

E é justamente em Jericó, na cidade símbolo das riquezas materiais, que encontramos Bartimeu, o cego de nascença, mendigando à beira do caminho.

Tudo o que está nos textos sagrados possui uma transcendência fundamental. Nenhuma palavra foi escrita sem um propósito espiritual.

O cego, mendigando à beira do caminho, na cidade símbolo das riquezas materiais, é um convite direto para refletirmos sobre nossa cegueira espiritual, que se manifesta quando estamos excessivamente focados nos aspectos materiais do mundo, imersos no materialismo egoísta que a cidade simbolicamente representa.

Entretanto, chega um momento em nossa jornada evolutiva em que sentimos a necessidade de enxergar e compreender além do que está diante de nós.

Mateus, inicia texto informando que "Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto ao caminho, mendigando" (Mc 10, 46).

Sob o ponto de vista espiritual, podemos estabelecer um paralelo entre o cego que permanece sentado à beira do caminho mendigando e a postura muitas vezes adotada por nós diante das experiências que a vida nos propõe. Preferimos permanecer inertes,  cegos, esperando que algo seja feito por nós ou para nós. A condição de pedinte ou servo, escravo ou liberto, é sempre uma questão de escolha e posicionamento individual diante da vida. No texto, Bartimeu representa o ser humano inerte, sem movimento. PPor outro lado, Jesus representa o movimento da alma lúcida, que não se detém frente aos obstáculos da vida. O movimento desta alma desperta é de caminhar, avançar e servir a todos, uma atitude oposta à passividade representada pelo personagem de Bartimeu.

Prossegue o texto: ... "e ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar e a dizer: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! (Mc 10, 47)" .

Clamar é mais do que simplesmente pedir, é implorar. Ao clamar, Bartimeu demonstra seu profundo sofrimento e suplica a Jesus com todo o sentimento de sua alma. O sofrimento desperta a humildade naquele que sofre. E a dor educa quando o amor, ainda não descoberto, não pode desempenhar a mesma função.

E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! (Mc 10, 48).

Repreender é censurar. Muitos são os censores da conduta alheia, porque ainda não compreenderam o verdadeiro significado do "amai-vos uns aos outros", tornando assim o caminho mais difícil.

 Mas, Bartimeu, por sua vez, clamava cada vez mais alto, sem se intimidar com aqueles que não o compreendiam. Diante de todas as dificuldades em sua vida, ele escolheu perseverar. E aqueles que perseverarem até o fim receberão o auxílio divino.

E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama (Mc 10, 49) 

O Mestre, que seguia em sua jornada, interrompe seu caminho ao deparar-se com a dor de Bartimeu, demonstrando sua compaixão e prontidão em socorrer o necessitado. O comportamento do Cristo, neste trecho, é um valioso ensinamento para a alma humana, que não deve se manter indiferente diante das necessidades do próximo. A atitude de Jesus reflete a obrigação de sempre auxiliar aqueles que se apresentam em nosso caminho.

E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se e foi ter com Jesus (Mc 10, 50).

Levantar-se é sair da posição de inércia, colocando-se em movimento. Lançar de si a capa da indigência é despir-se dos conflitos espirituais que mantêm a pessoa presa ao passado, abandonando as máscaras que a tornam doente. Para encontrar o Cristo interno, é imprescindível que a pessoa se levante, saia da posição psíquica de quem espera ser servido e comece a agir, abandonando os velhos hábitos, sentimentos e pensamentos que a mantêm em uma condição espiritual infeliz.

E Jesus, falando, disse-lhe:  Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista (Mc 10, 51).

A pergunta feita por Jesus ao cego Bartimeu revela um profundo respeito pela Lei da Vida e pelo livre-arbítrio. Ouvir a resposta de Bartimeu era fundamental, pois são as respostas que damos às experiências da vida que determinam se permaneceremos aprisionados ou nos libertaremos dos estágios dolorosos a que nos entregamos deliberadamente. Diante do Cristo, o cego teve a oportunidade de pedir várias coisas, mas escolheu humildemente pedir apenas a capacidade de enxergar, de ver além das limitações físicas.

E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho (Mc 10, 52).

A fé que cura é uma força dinâmica, enraizada na confiança plena. A fé que salva vai além das imperfeições morais que causam enfermidades na alma, capacitando-a a expandir sua visão interna. Com uma visão ampliada, a alma é capaz de refletir sobre si mesma e iniciar um processo ascendente de transformação moral, gradualmente libertando-se dos vícios que a mantinham inerte, cega e mendigando...




sexta-feira, 25 de outubro de 2019

JESUS E O CEGO DE NASCENÇA


O capítulo 9 do Evangelho de João inicia destacando a postura dinâmica de Jesus, que está sempre em movimento. Ele não apenas está fisicamente em movimento, percorrendo diferentes lugares e encontrando pessoas em suas necessidades, mas também está constantemente em movimento espiritual, buscando estender Sua luz e amor a todos.

Naquele dia, conforme registrado em João 9:1-3, Jesus, ao passar, viu um homem que era cego de nascença. E, de forma intrigante, seus discípulos o interrogaram: "Rabi, quem pecou, ele ou seus genitores, para que fosse gerado cego?" A resposta do Mestre é profunda: "Nem ele pecou nem seus genitores, mas para que fossem manifestadas nele as obras de Deus."

Primeiramente, devemos nos deter na pergunta elaborada pelos discípulos. De imediato, a pergunta revela a ideia que o povo judeu mantinha em relação a Deus naquela época. Sem dúvida, eles concebiam a ideia de Deus como um ser vingativo, que punia a humanidade por seus desvios, impondo enfermidades, limitações físicas e mentais como castigo, conforme relatado em grande parte dos textos bíblicos.

A pergunta feita a Jesus também denota que, para o povo da época, Deus não era apenas visto como vingativo, mas principalmente como injusto, pois punia não apenas os pecadores, mas também sua descendência.

Por outro lado, a pergunta formulada pelos discípulos deixa transparecer a crença dos judeus na reencarnação. Eles acreditavam, sem dúvida alguma, que o ser humano nasce, morre e renasce em novas vidas sucessivas.

Essa ideia se torna evidente na pergunta feita pelos discípulos, pois se a cegueira do homem era desde o nascimento, não faria sentido lógico perguntar quem havia pecado, se o cego ou seus pais. Isso sugere que eles reconheciam a possibilidade de que as consequências dos atos e escolhas de vidas passadas pudessem refletir na situação atual de uma pessoa. Afinal, nascido cego, em razão de suposto castigo que lhe fora infligido pelo Deus vingador, os discípulos queriam saber quando aquele homem havia pecado.

Aliás, a questão da reencarnação era o pensamento da época, sendo, inclusive, abordada em outros episódios da Bíblia, como, por exemplo, em Mateus 17:10-13, onde Jesus afirma que João Batista é Elias reencarnado. É verdade que o termo "reencarnação" não foi empregado especificamente no texto, uma vez que se trata de um termo mais contemporâneo. No entanto, a declaração de Jesus sobre João Batista ser Elias indica claramente a ideia de uma nova manifestação ou retorno de uma mesma entidade espiritual em uma nova vida. Elias, como profeta, havia desaparecido cerca de nove séculos antes de Jesus, e a profecia em Malaquias 5:4 previa seu retorno antes da vinda do Messias.

Outra passagem referente a reencarnação está descrita em João 3, 1-12, no episódio que narra o encontro de Nicodemos com Jesus. Nicodemos procurou Jesus com o objetivo de obter esclarecimentos sobre uma questão que o perturbava. Ele buscava respostas para suas dúvidas e ansiava por compreender melhor as verdades espirituais. Ele queria saber o que era necessário fazer para alcançar o Reino de Deus. Ao sondar a intimidade de Nicodemos, Jesus afirma ao fariseu, que era mestre e doutor da lei, a necessidade de nascer de novo para alcançar conquistas espirituais significativas. Diante do espanto de Nicodemos em relação ao tema, Jesus expressa surpresa, dizendo-lhe que seria difícil explicar-lhe sobre as coisas celestiais se ele, sendo um mestre em Israel, não compreendia plenamente as coisas terrenas.

O texto de João também aponta que, além do tema das vidas sucessivas, a pergunta feita pelos discípulos a Jesus indica que os judeus tinham um entendimento sólido da lei de causa e efeito como manifestação da justiça divina. Eles compreendiam que os males enfrentados na vida presente estavam relacionados a faltas cometidas no passado. No entanto, sua compreensão da justiça divina estava permeada pela ideia de castigos e punições.

Jesus veio ao mundo para ensinar aos homens que Deus é amor, cuja justiça é toda fundamentada na misericórdia. Um Pai Amoroso que não pune, nem castiga, mas educa os filhos que muito ama para que aprendam igualmente a amar.

É por isso que Jesus responde aos discípulos que a cegueira do homem não tinha qualquer relação de causa e efeito com seu passado, não sendo, portanto, resultado de punição divina, porque Deus não pune, Deus educa.

A punição é uma manifestação da imperfeição humana. Como seres imperfeitos e frágeis, carregamos em nossa consciência as leis divinas, e mais cedo ou mais tarde somos levados a confrontar nossas ações registradas em nosso íntimo. Diante dos desvios cometidos, a punição se impõe como forma de buscar alívio da culpa que nos atormenta e nos rouba a paz.

A mente humana, quando desequilibrada pela culpa, pode interferir nas estruturas sutis do corpo físico e espiritual, resultando em enfermidades, problemas e aflições. Essa autopunição pode manifestar-se por meio de aflições e doenças que surgem como consequência das emoções negativas e dos padrões de pensamento dissonantes. A carga emocional não resolvida e a autocrítica podem desencadear um ciclo de autopunição, afetando tanto o bem-estar físico quanto o espiritual. Quantas aflições e doenças são resultados da autopunição...

A autopunição é uma resposta emocional e mental que muitas vezes surge como uma tentativa ilusória de resolver conflitos com as leis divinas. É uma forma infantil e limitada de lidar com a culpa e a busca pela reconciliação interior. Ao escolher a autopunição, o ser humano acredita que está pagando por seus erros e se redimindo, mas na verdade essa abordagem não traz uma verdadeira cura ou transformação.

É assim que o ser humano, frágil e imperfeito, diante de um crime cometido contra seu próximo, para livrar-se da consciência de culpa, escolhe renascer sem os braços que outrora usou para ferir, porque ainda é incapaz de pensar na possibilidade de embalar nos braços, como filho, aquele que no passado feriu. Renascer sem os braços é escolha humana, jamais Justiça Divina.

A justiça divina, segundo Emmanuel, no livro O consolador, opera-se de forma diversa. Na resposta à questão 135, Emmanuel diz que todo aquele que interferir indevidamente na harmonia divina, expressão do belo e do harmonioso, terá que recompor os elos sagrados que foram rompidos. Emmanuel usa o verbo recompor, que significa recuperar, reorganizar.

Ao voltarmos ao texto de João para examinar a resposta dada por Jesus aos discípulos, nos deparamos com uma nova revelação. Jesus ao responder aos discípulos, acrescentou que: "Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus."

Notemos que nem toda dor e sofrimento são mecanismos de operação da lei de causa e efeito. Jesus nos apresenta uma outra verdade: a cegueira do homem era manifestação das obras de Deus.

E o que são as obras de Deus? Obras são resultados de uma ação. A cegueira do homem era resultado de uma ação e não de uma punição, como acreditavam equivocadamente os discípulos. Na verdade, a cegueira do homem, funcionava como um instrumento para impulsionar seu progresso espiritual.

Este tema está tratado no Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 09:

"Não se deve crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo seja necessariamente indício de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas escolhidas pelo Espírito para concluir a sua depuração e acelerar o seu adiantamento."

É a dor evolução, mencionada no livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, capítulo 19. Sobre este tema leia o artigo Porque sofremos?

O cego de nascença do evangelho houvera escolhido a cegueira como mecanismo de depuração de seu espírito, de forma a acelerar seu processo evolutivo. Certamente, a cegueira do homem representava uma oportunidade para ele desenvolver virtudes como paciência e humildade, enquanto também ampliava sua visão espiritual e psíquica em relação a si mesmo. Assim, as obras de Deus podem envolver situações desafiadoras que visam aprimorar a jornada espiritual do indivíduo.

No livro Missionários da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, capítulo 12, o espírito André Luiz, narra casos semelhantes, dentre os quais cita-se o caso de Silvério e de uma moça, cujo nome ficou no anonimato.

Silvério, quando da análise de seu projeto reencanatório, acolhe a sugestão de seus mentores, em nascer com um problema na perna, a fim de que o problema de saúde da perna se lhe apresentasse como um “antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação do amor próprio”.

A moça, cujo nome ficou no anonimato, solicita ajustes em seu modelo de corpo físico, para que desenvolvesse problemas na tireoide e na paratireoide, a fim de não se apresentar na Terra com uma forma física perfeita, acrescentando que preferia a fealdade corpórea, para não sucumbir aos apelos da vaidade.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos, assim como os exemplos dos personagens do livro "Missionários da Luz", nos esclarece que as deficiências físicas e outras dificuldades enfrentadas durante uma encarnação não sejam apenas flagelos expiatórios, mas também oportunidades de crescimento espiritual. Essas experiências desafiadoras podem ser vistas como ferramentas de ascensão, permitindo que o espírito imortal avance em seu caminho evolutivo.