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terça-feira, 26 de setembro de 2023

PERDÃO, UMA JORNADA RUMO À LIBERDADE

 

Conta-se que Deus, certa vez, convocou um de seus anjos e lhe disse:

Quero que você encontre a qualidade mais esplêndida que existe na experiência humana e volte para me contar qual é." O anjo procurou pelo mundo. Ele viu muitas coisas. Mas o que mais o impressionou foi um evento no qual um homem parecia estar confuso e estava parado bem no meio de uma rua movimentada. Um outro homem que estava ali, na calçada, viu que um caminhão enorme estava se aproximando em grande velocidade e que não teria tempo de parar antes de atropelar o homem que parecia aturdido. Então, o homem que estava vendo a cena correu para o meio da rua e alcançou o outro a tempo de empurrá-lo para longe da passagem do caminhão. Lamentavelmente, ele não pôde salvar-se e foi atropelado e morto pelo caminhão. O anjo recolheu uma gota de seu sangue e levou para Deus, dizendo: "Creio que isso é a coisa mais esplêndida na experiência humana: a disposição de sacrificar a própria vida pela vida de seu semelhante." Deus respondeu ao anjo: "Você encontrou uma experiência admirável, mas não é a mais esplêndida. Volte e encontre-a."

O anjo voltou para a Terra e retomou sua busca. Examinou o mundo e, dessa vez, o anjo foi atraído pela experiência de uma mulher dando à luz. A mulher estava gemendo e se retorcendo de dor, até que o bebê nasceu. Assim que ela viu a criança, sua dor desapareceu e uma morna sensação de êxtase a encheu de amor. O anjo estendeu a mão, colheu uma gota de suor da parturiente e voltou, dizendo para Deus: "Creio que isso pode ser a coisa mais esplêndida na experiência humana: trazer uma vida ao mundo." Novamente, Deus disse ao anjo: "De fato, esta é uma experiência excelente, mas não é a mais esplêndida. Tente mais uma vez."

Então, o anjo voltou mais uma vez, a fim de encontrar a experiência humana mais esplêndida. Ele procurou com muito cuidado e, sendo um anjo, podia ver milhares de eventos ao mesmo tempo. De repente, algo chamou sua atenção. Um homem estava correndo por um bosque, e via-se claramente que ele estava possuído por sentimentos violentos. O anjo rapidamente passou a vida deste homem em revista e ficou sabendo que ele acabara de sair da prisão, onde cumprira anos de cadeia por um crime cometido por outra pessoa. Agora, furioso, ele ia procurar se vingar. O anjo o seguiu pelo bosque e viu quando ele se aproximou de uma cabana. O culpado morava lá. Ele é que deveria ter cumprido a pena. Quando o homem que estava correndo chegou perto da casa, viu que uma janela estava iluminada. Parado ao lado da janela, ainda com a intenção de vingar-se, ele olhou para dentro e viu sua futura vítima. O homem e sua mulher — com quem se casara um ano antes — tinham acabado de voltar do hospital com sua filha recém-nascida. Eles estavam muito felizes... O homem, que estava furioso, olhava pela janela, observando cuidadosamente e, aos poucos, seu coração foi se partindo em pedaços. Ele começou a chorar, retornou para o bosque e nunca mais voltou. O anjo recolheu uma de suas lágrimas, voltou a Deus, dizendo: "Creio que isso é a coisa mais esplêndida na experiência humana — o perdão: a habilidade de transcender a raiva, o ódio e o desejo de vingança." Deus felicitou o anjo, dizendo: "Certamente, a capacidade de perdoar é o dom mais esplêndido da experiência humana. Muitas outras coisas também são importantes, mas esta característica é uma que distingue o potencial humano. É imperativo que você entenda o perdão; é só por este motivo que minha criação continua. Na ausência do perdão, tudo desapareceria num clarão instantâneo.


A narrativa, veiculada pela literatura mística judaica, postula que a capacidade de perdoar é o dom mais sublime da experiência humana. O perdão representa a habilidade de superar sentimentos de raiva, ódio e o anseio por vingança.

No "Evangelho Segundo o Espiritismo", no capítulo 10, item 7, uma lição de conteúdo similar é apresentada sob o título "O Sacrifício Mais Agradável a Deus". Kardec, fazendo referência a Mateus, 5:23 e 24, instrui-nos acerca do perdão aos males que possamos ter infligido a outrem e sobre nossa habilidade de desculpar as injúrias recebidas, ressaltando a necessidade de reconciliação e de superação de ressentimentos e animosidades.

Quando somos os perpetradores de uma ofensa, é crucial reconhecer o erro e buscar o ofendido para apresentar um pedido de desculpas. Contudo, muitas vezes, apenas o pedido de desculpas não é suficiente. Torna-se imperativo reparar integralmente o mal perpetrado contra outrem.

Neste sentido, o espírito Emmanuel, no livro “O Consolador”, na questão 135, ao discorrer sobre o mal e o resgate, instrui que o mal é a intervenção indevida Harmonia Divina. E o resgate é equivalente à restauração dos elos sagrados sublimes dessa Harmonia sublime. Ele enfatiza a necessidade de restaurar o equilíbrio e a ordem, corrigindo os erros e as transgressões cometidas, como meio de alcançar a reconciliação e a redenção. Este é o percurso da alma que cometeu um equívoco, uma vez que errar é inerente ao processo de aprendizado do espírito imortal. Ao cometer um erro, o espírito busca reparar todo o dano causado, em um esforço contínuo para aprender e evoluir.

Por outro lado, em outras ocasiões, somos nós os ofendidos. Diante de uma ofensa, restam-nos apenas dois caminhos a seguir: a revolta ou o perdão. A revolta, nutrida por sentimentos de raiva, ódio e anseio de vingança contra o ofensor, nos vincula a ele, pois passamos a ressoar na mesma frequência vibratória na qual ele se encontra. Sem contar que tais sentimentos atuam como dardos envenenados que prejudicam unicamente aqueles que os acolhem no coração, provocando, em muitos casos, danos potencialmente mais severos do que o mal originalmente infligido pelo ofensor.

Contudo, o perdão é a virtude mais desafiadora a ser cultivada, uma vez que perdoar demanda um significativo esforço de autossuperação. Por essa razão, o perdão não é um presente que podemos distribuir levianamente. Ao contrário, o perdão é um processo com início, meio e fim. Representa um trajeto, uma jornada de amor e generosidade.

A palavra "perdão" por si só nos revela indícios de sua natureza profunda e integral. Ela deriva do latim “perdonare”, onde “per” é uma preposição que denota intensidade, e “donare” significa “dar, presentear”, portanto, sugere o ato de dar intensamente. De maneira análoga, temos a expressão "percurso", também de origem latina, que simboliza um trajeto completo a ser percorrido. O ato de perdoar, assim, demanda de nós um percurso, uma jornada, uma caminhada introspectiva, pois existem circunstâncias em que a dor e o trauma são tão intensos que impedem que o perdão seja concedido de imediato. Existem situações em que o processo de perdão se estende por anos e até mesmo por várias encarnações. 

É por isso que o perdão é uma virtude que demanda tempo. Ele envolve um processo de reflexão, compreensão e aceitação que não pode ser apressado e necessita de um período de maturação e introspecção para se tornar genuíno e efetivo. É uma jornada de autoconhecimento e crescimento pessoal que conduz à reconciliação, à paz interior e à liberdade, visto que o perdão rompe todas as algemas que nos atavam ao ódio e ao ressentimento.

Perdoar não significa esquecer, pois é a memória que nos confere experiência e aprendizado. Perdoar é recordar sem sentir dor. Quando a recordação de um mal não provocar mais nenhum desconforto emocional, é sinal de que o perdão foi, de fato, alcançado. 

No entanto, durante a jornada em prol do exercício do perdão, cuja duração pode variar dependendo da disposição do indivíduo em exercê-lo e, ainda, da intensidade da dor provocada pelo mal praticado, o mais crucial é manter-se aberto à possibilidade do perdão, desvitalizando todo sentimento de mágoa e ódio e vingança, que, naturalmente, podem surgir no âmago do ser. 

O perdão não possui o poder de eximir o ofensor de enfrentar a lei divina. Você pode perdoá-lo "70x7", conforme aconselhado por Jesus, mas o ofensor terá de reparar todo o mal praticado, tantas vezes quantas o tenha cometido. O perdão é uma virtude que liberta exclusivamente aquele que o concede. Quando você perdoa, liberta-se da mágoa, do ódio, do ressentimento e da revolta. Isso porque os sentimentos de mágoa, ódio, dor e ressentimento que cultivamos em razão do mal que nos foi feito, frequentemente, causam mais danos à nossa saúde física e mental do que o próprio mal que nos foi infligido. 

Perdoar é a habilidade de transcender a raiva, o ódio e o desejo de vingança. E, como qualquer habilidade, exige prática e repetição contínua.

Que possamos, com o auxílio dos bons espíritos e amparados pela infinita misericórdia de Deus, desenvolver a habilidade do perdão, exercitando-o diariamente em nossas vidas, nas experiências do cotidiano, buscando, cada vez mais superar nosso egoísmo e orgulho, a fim de nos aproximar, cada vez mais, da verdadeira essência divina.

sábado, 9 de novembro de 2019

O CEGO DE JERICÓ




Jericó, uma cidade importante situada no Vale do Jordão, prosperou graças à sua agricultura e economia, o que a tornou atrativa para os negociantes em busca de lucro material. No contexto simbólico do evangelho, essa ênfase no materialismo fez com que Jericó fosse associada à busca humana por prazeres transitórios no mundo. 

Talvez por isso, o Evangelho de Marcos 10, 46-52, inicia pontuando que Jesus entrou e saiu rapidamente de Jericó. Depois, retornou com seus discípulos e uma grande multidão (Mc 10, 46). Este movimento do Cristo, entrar, sair rapidamente e entrar novamente, nos convida a uma reflexão com os olhos voltados para as questões materiais, em especial ao uso que fazemos dos recursos materiais que a providência divina nos emprestou nesta atual encarnação.

Neste início do texto nos propomos a nos questionar a respeito do quanto estamos envolvidos com as riquezas materiais de que dispomos, em especial nos questionarmos se estamos nos permitindo dominar por esses recursos.

Notemos o movimento do Cristo. Ele entra em Jericó, mas dali sai rapidamente. Mas, logo em seguida, entra novamente na cidade, devidamente acompanhado de seus discípulos e uma multidão. Podemos captar desta cena a seguinte mensagem: usar os bens materiais de que dispomos (entrar em Jericó) sem nos apegar a eles (sair rapidamente), e empregá-los em benefício do bem comum (entrar novamente com os discípulos e uma multidão).

E é justamente em Jericó, na cidade símbolo das riquezas materiais, que encontramos Bartimeu, o cego de nascença, mendigando à beira do caminho.

Tudo o que está nos textos sagrados possui uma transcendência fundamental. Nenhuma palavra foi escrita sem um propósito espiritual.

O cego, mendigando à beira do caminho, na cidade símbolo das riquezas materiais, é um convite direto para refletirmos sobre nossa cegueira espiritual, que se manifesta quando estamos excessivamente focados nos aspectos materiais do mundo, imersos no materialismo egoísta que a cidade simbolicamente representa.

Entretanto, chega um momento em nossa jornada evolutiva em que sentimos a necessidade de enxergar e compreender além do que está diante de nós.

Mateus, inicia texto informando que "Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto ao caminho, mendigando" (Mc 10, 46).

Sob o ponto de vista espiritual, podemos estabelecer um paralelo entre o cego que permanece sentado à beira do caminho mendigando e a postura muitas vezes adotada por nós diante das experiências que a vida nos propõe. Preferimos permanecer inertes,  cegos, esperando que algo seja feito por nós ou para nós. A condição de pedinte ou servo, escravo ou liberto, é sempre uma questão de escolha e posicionamento individual diante da vida. No texto, Bartimeu representa o ser humano inerte, sem movimento. PPor outro lado, Jesus representa o movimento da alma lúcida, que não se detém frente aos obstáculos da vida. O movimento desta alma desperta é de caminhar, avançar e servir a todos, uma atitude oposta à passividade representada pelo personagem de Bartimeu.

Prossegue o texto: ... "e ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar e a dizer: Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! (Mc 10, 47)" .

Clamar é mais do que simplesmente pedir, é implorar. Ao clamar, Bartimeu demonstra seu profundo sofrimento e suplica a Jesus com todo o sentimento de sua alma. O sofrimento desperta a humildade naquele que sofre. E a dor educa quando o amor, ainda não descoberto, não pode desempenhar a mesma função.

E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! (Mc 10, 48).

Repreender é censurar. Muitos são os censores da conduta alheia, porque ainda não compreenderam o verdadeiro significado do "amai-vos uns aos outros", tornando assim o caminho mais difícil.

 Mas, Bartimeu, por sua vez, clamava cada vez mais alto, sem se intimidar com aqueles que não o compreendiam. Diante de todas as dificuldades em sua vida, ele escolheu perseverar. E aqueles que perseverarem até o fim receberão o auxílio divino.

E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama (Mc 10, 49) 

O Mestre, que seguia em sua jornada, interrompe seu caminho ao deparar-se com a dor de Bartimeu, demonstrando sua compaixão e prontidão em socorrer o necessitado. O comportamento do Cristo, neste trecho, é um valioso ensinamento para a alma humana, que não deve se manter indiferente diante das necessidades do próximo. A atitude de Jesus reflete a obrigação de sempre auxiliar aqueles que se apresentam em nosso caminho.

E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se e foi ter com Jesus (Mc 10, 50).

Levantar-se é sair da posição de inércia, colocando-se em movimento. Lançar de si a capa da indigência é despir-se dos conflitos espirituais que mantêm a pessoa presa ao passado, abandonando as máscaras que a tornam doente. Para encontrar o Cristo interno, é imprescindível que a pessoa se levante, saia da posição psíquica de quem espera ser servido e comece a agir, abandonando os velhos hábitos, sentimentos e pensamentos que a mantêm em uma condição espiritual infeliz.

E Jesus, falando, disse-lhe:  Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista (Mc 10, 51).

A pergunta feita por Jesus ao cego Bartimeu revela um profundo respeito pela Lei da Vida e pelo livre-arbítrio. Ouvir a resposta de Bartimeu era fundamental, pois são as respostas que damos às experiências da vida que determinam se permaneceremos aprisionados ou nos libertaremos dos estágios dolorosos a que nos entregamos deliberadamente. Diante do Cristo, o cego teve a oportunidade de pedir várias coisas, mas escolheu humildemente pedir apenas a capacidade de enxergar, de ver além das limitações físicas.

E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho (Mc 10, 52).

A fé que cura é uma força dinâmica, enraizada na confiança plena. A fé que salva vai além das imperfeições morais que causam enfermidades na alma, capacitando-a a expandir sua visão interna. Com uma visão ampliada, a alma é capaz de refletir sobre si mesma e iniciar um processo ascendente de transformação moral, gradualmente libertando-se dos vícios que a mantinham inerte, cega e mendigando...




sexta-feira, 8 de novembro de 2019

JESUS E O CEGO DE BETSAIDA



Betsaída era uma aldeia de pescadores situada ao nordeste do Mar da Galiléia, próxima a cidade de Cafarnaum, muitas vezes visitadas por Jesus.

Certa vez, quando o Mestre estava passando por aquele lugar, Ele foi solicitado a curar um cego, como é relatado no Evangelho de Marcos 8:22-26.

O texto não menciona o nome do homem, apenas relata que ele enfrentava a dura provação da cegueira, que o impedia de se relacionar com o mundo exterior por meio do sentido mais significativo, a visão.

O tema central do texto é a cegueira, que representa a ausência de um dos sentidos primordiais para a expressão do espírito em evolução no mundo material.

No entanto, ao refletirmos sobre a cegueira física, somos conduzidos a examinar uma outra dimensão de obscuridade: a cegueira espiritual.

Enquanto a privação da visão física afasta alguém do mundo externo, a cegueira espiritual é uma barreira que impede a verdadeira autoconsciência, tornando difícil a percepção das próprias imperfeições morais, que podem se converter em obstáculos em nossa jornada de evolução.

É notável observar que a forma de agir de Cristo neste caso especial do cego de Betsaida difere dos outros relatos de cura de cegos encontrados nos evangelhos. Segundo o texto, em Betsaída, diante do cego, Jesus não o cura imediatamente, como de costume, mas gentilmente toma-lhe pelas mãos e o conduz para fora da aldeia.

De fato, ao refletirmos sobre o modo de atuação de Cristo com o cego de Betsaida, somos levados a considerar o significado simbólico da aldeia. No contexto espiritual, a aldeia pode representar não apenas um local físico, mas também as limitações e estreitezas da vida material. É como se a aldeia simbolizasse as restrições impostas pelo mundo material e suas preocupações mundanas, que podem dificultar nossa visão espiritual e nosso progresso interior.

Certamente, o gesto de Jesus ao conduzir o homem para fora da aldeia pode ser interpretado como um convite espiritual. Ele está simbolicamente convidando a humanidade a buscar uma conexão íntima com Ele no âmago do coração, afastando-se dos interesses imediatistas, mundanos e superficiais.

Ao levar o homem para fora da aldeia, Jesus indica que a verdadeira transformação espiritual ocorre quando nos desprendemos das preocupações terrenas e nos voltamos para uma busca interior mais profunda. Ele nos convida a estabelecer uma relação pessoal com Ele, transcendendo os aspectos superficiais e transitórios da vida material.

Somente após retirar o cego da aldeia, Jesus deu início ao processo de cura, simbolizado pelo ato de aplicar Sua saliva nos olhos do cego. Isso nos revela que somente quando nos dispomos a nos desvincular das frivolidades da vida mundana e nos entregamos à introspecção psíquica, podemos alcançar uma comunhão íntima com Cristo (Self). Essa comunhão profunda, que ocorre por meio do mergulho em nossa intimidade psíquica, nos permite reconhecer e enxergar aspectos de nós mesmos que antes permaneciam ocultos.

Prosseguindo no texto, observamos que após receber a cura proporcionada por Jesus, o homem que antes era cego passa a enxergar de forma distorcida, não compreendendo a realidade observada. Isso sugere ao estudante do evangelho que o verdadeiro entendimento das coisas requer mais do que simplesmente a capacidade de enxergar. Nem sempre o que nossos olhos veem corresponde à verdadeira realidade. É por essa razão que Jesus nos aconselhou a evitar fazer julgamentos precipitados ("não julgueis..."), pois nossa visão ainda é limitada para compreender plenamente as situações que observamos.

Diante da dificuldade em enxergar corretamente, Jesus impôs novamente as mãos sobre os olhos do homem e o fez olhar para cima, restaurando completamente sua visão (Marcos 8:25).

Por mais habilidoso que seja o terapeuta, sua ação serve apenas para despertar no necessitado suas próprias capacidades regenerativas. A verdadeira cura depende da transformação interna do indivíduo. Jesus impôs as mãos, realizando ajustes energéticos em seu aparelho visual, mas a plena restauração do cego ocorreu somente quando ele direcionou seu olhar para cima.

Se o coração é considerado símbolo dos sentimentos, é pelos olhos que o ser humano revela a que sentimentos está conectado. Olhar para cima simboliza a busca por esferas mais elevadas de consciência e compreensão. Para enxergar além das sombras e ilusões, é essencial erguer os olhos, elevar o entendimento e purificar os pensamentos.

O texto termina com uma instrução intrigante. Após a cura do homem que antes era cego, Jesus o orientou a voltar para casa, sem passar pela aldeia  (Marcos 8:26).

Essa instrução desperta questionamentos sobre o propósito e o significado por trás dessa ordem específica de Jesus. Por que Ele instruiu o homem a evitar a aldeia? Sem dúvida, há uma mensagem profunda e subliminar a essa orientação. 

É bastante plausível considerarmos que o Mestre deseja transmitir a mensagem de que, uma vez que nossa visão tenha sido ajustada para compreender propósitos mais elevados, é essencial redirecionar nossa vida para um novo caminho. Isso implica evitar o retorno aos antigos padrões de comportamento e pensamento que, embora possam persistir em nossa intimidade, não são mais benéficos para nosso crescimento espiritual.





sexta-feira, 25 de outubro de 2019

JESUS E O CEGO DE NASCENÇA


O capítulo 9 do Evangelho de João inicia destacando a postura dinâmica de Jesus, que está sempre em movimento. Ele não apenas está fisicamente em movimento, percorrendo diferentes lugares e encontrando pessoas em suas necessidades, mas também está constantemente em movimento espiritual, buscando estender Sua luz e amor a todos.

Naquele dia, conforme registrado em João 9:1-3, Jesus, ao passar, viu um homem que era cego de nascença. E, de forma intrigante, seus discípulos o interrogaram: "Rabi, quem pecou, ele ou seus genitores, para que fosse gerado cego?" A resposta do Mestre é profunda: "Nem ele pecou nem seus genitores, mas para que fossem manifestadas nele as obras de Deus."

Primeiramente, devemos nos deter na pergunta elaborada pelos discípulos. De imediato, a pergunta revela a ideia que o povo judeu mantinha em relação a Deus naquela época. Sem dúvida, eles concebiam a ideia de Deus como um ser vingativo, que punia a humanidade por seus desvios, impondo enfermidades, limitações físicas e mentais como castigo, conforme relatado em grande parte dos textos bíblicos.

A pergunta feita a Jesus também denota que, para o povo da época, Deus não era apenas visto como vingativo, mas principalmente como injusto, pois punia não apenas os pecadores, mas também sua descendência.

Por outro lado, a pergunta formulada pelos discípulos deixa transparecer a crença dos judeus na reencarnação. Eles acreditavam, sem dúvida alguma, que o ser humano nasce, morre e renasce em novas vidas sucessivas.

Essa ideia se torna evidente na pergunta feita pelos discípulos, pois se a cegueira do homem era desde o nascimento, não faria sentido lógico perguntar quem havia pecado, se o cego ou seus pais. Isso sugere que eles reconheciam a possibilidade de que as consequências dos atos e escolhas de vidas passadas pudessem refletir na situação atual de uma pessoa. Afinal, nascido cego, em razão de suposto castigo que lhe fora infligido pelo Deus vingador, os discípulos queriam saber quando aquele homem havia pecado.

Aliás, a questão da reencarnação era o pensamento da época, sendo, inclusive, abordada em outros episódios da Bíblia, como, por exemplo, em Mateus 17:10-13, onde Jesus afirma que João Batista é Elias reencarnado. É verdade que o termo "reencarnação" não foi empregado especificamente no texto, uma vez que se trata de um termo mais contemporâneo. No entanto, a declaração de Jesus sobre João Batista ser Elias indica claramente a ideia de uma nova manifestação ou retorno de uma mesma entidade espiritual em uma nova vida. Elias, como profeta, havia desaparecido cerca de nove séculos antes de Jesus, e a profecia em Malaquias 5:4 previa seu retorno antes da vinda do Messias.

Outra passagem referente a reencarnação está descrita em João 3, 1-12, no episódio que narra o encontro de Nicodemos com Jesus. Nicodemos procurou Jesus com o objetivo de obter esclarecimentos sobre uma questão que o perturbava. Ele buscava respostas para suas dúvidas e ansiava por compreender melhor as verdades espirituais. Ele queria saber o que era necessário fazer para alcançar o Reino de Deus. Ao sondar a intimidade de Nicodemos, Jesus afirma ao fariseu, que era mestre e doutor da lei, a necessidade de nascer de novo para alcançar conquistas espirituais significativas. Diante do espanto de Nicodemos em relação ao tema, Jesus expressa surpresa, dizendo-lhe que seria difícil explicar-lhe sobre as coisas celestiais se ele, sendo um mestre em Israel, não compreendia plenamente as coisas terrenas.

O texto de João também aponta que, além do tema das vidas sucessivas, a pergunta feita pelos discípulos a Jesus indica que os judeus tinham um entendimento sólido da lei de causa e efeito como manifestação da justiça divina. Eles compreendiam que os males enfrentados na vida presente estavam relacionados a faltas cometidas no passado. No entanto, sua compreensão da justiça divina estava permeada pela ideia de castigos e punições.

Jesus veio ao mundo para ensinar aos homens que Deus é amor, cuja justiça é toda fundamentada na misericórdia. Um Pai Amoroso que não pune, nem castiga, mas educa os filhos que muito ama para que aprendam igualmente a amar.

É por isso que Jesus responde aos discípulos que a cegueira do homem não tinha qualquer relação de causa e efeito com seu passado, não sendo, portanto, resultado de punição divina, porque Deus não pune, Deus educa.

A punição é uma manifestação da imperfeição humana. Como seres imperfeitos e frágeis, carregamos em nossa consciência as leis divinas, e mais cedo ou mais tarde somos levados a confrontar nossas ações registradas em nosso íntimo. Diante dos desvios cometidos, a punição se impõe como forma de buscar alívio da culpa que nos atormenta e nos rouba a paz.

A mente humana, quando desequilibrada pela culpa, pode interferir nas estruturas sutis do corpo físico e espiritual, resultando em enfermidades, problemas e aflições. Essa autopunição pode manifestar-se por meio de aflições e doenças que surgem como consequência das emoções negativas e dos padrões de pensamento dissonantes. A carga emocional não resolvida e a autocrítica podem desencadear um ciclo de autopunição, afetando tanto o bem-estar físico quanto o espiritual. Quantas aflições e doenças são resultados da autopunição...

A autopunição é uma resposta emocional e mental que muitas vezes surge como uma tentativa ilusória de resolver conflitos com as leis divinas. É uma forma infantil e limitada de lidar com a culpa e a busca pela reconciliação interior. Ao escolher a autopunição, o ser humano acredita que está pagando por seus erros e se redimindo, mas na verdade essa abordagem não traz uma verdadeira cura ou transformação.

É assim que o ser humano, frágil e imperfeito, diante de um crime cometido contra seu próximo, para livrar-se da consciência de culpa, escolhe renascer sem os braços que outrora usou para ferir, porque ainda é incapaz de pensar na possibilidade de embalar nos braços, como filho, aquele que no passado feriu. Renascer sem os braços é escolha humana, jamais Justiça Divina.

A justiça divina, segundo Emmanuel, no livro O consolador, opera-se de forma diversa. Na resposta à questão 135, Emmanuel diz que todo aquele que interferir indevidamente na harmonia divina, expressão do belo e do harmonioso, terá que recompor os elos sagrados que foram rompidos. Emmanuel usa o verbo recompor, que significa recuperar, reorganizar.

Ao voltarmos ao texto de João para examinar a resposta dada por Jesus aos discípulos, nos deparamos com uma nova revelação. Jesus ao responder aos discípulos, acrescentou que: "Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus."

Notemos que nem toda dor e sofrimento são mecanismos de operação da lei de causa e efeito. Jesus nos apresenta uma outra verdade: a cegueira do homem era manifestação das obras de Deus.

E o que são as obras de Deus? Obras são resultados de uma ação. A cegueira do homem era resultado de uma ação e não de uma punição, como acreditavam equivocadamente os discípulos. Na verdade, a cegueira do homem, funcionava como um instrumento para impulsionar seu progresso espiritual.

Este tema está tratado no Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 09:

"Não se deve crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo seja necessariamente indício de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas escolhidas pelo Espírito para concluir a sua depuração e acelerar o seu adiantamento."

É a dor evolução, mencionada no livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, capítulo 19. Sobre este tema leia o artigo Porque sofremos?

O cego de nascença do evangelho houvera escolhido a cegueira como mecanismo de depuração de seu espírito, de forma a acelerar seu processo evolutivo. Certamente, a cegueira do homem representava uma oportunidade para ele desenvolver virtudes como paciência e humildade, enquanto também ampliava sua visão espiritual e psíquica em relação a si mesmo. Assim, as obras de Deus podem envolver situações desafiadoras que visam aprimorar a jornada espiritual do indivíduo.

No livro Missionários da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, capítulo 12, o espírito André Luiz, narra casos semelhantes, dentre os quais cita-se o caso de Silvério e de uma moça, cujo nome ficou no anonimato.

Silvério, quando da análise de seu projeto reencanatório, acolhe a sugestão de seus mentores, em nascer com um problema na perna, a fim de que o problema de saúde da perna se lhe apresentasse como um “antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação do amor próprio”.

A moça, cujo nome ficou no anonimato, solicita ajustes em seu modelo de corpo físico, para que desenvolvesse problemas na tireoide e na paratireoide, a fim de não se apresentar na Terra com uma forma física perfeita, acrescentando que preferia a fealdade corpórea, para não sucumbir aos apelos da vaidade.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos, assim como os exemplos dos personagens do livro "Missionários da Luz", nos esclarece que as deficiências físicas e outras dificuldades enfrentadas durante uma encarnação não sejam apenas flagelos expiatórios, mas também oportunidades de crescimento espiritual. Essas experiências desafiadoras podem ser vistas como ferramentas de ascensão, permitindo que o espírito imortal avance em seu caminho evolutivo.


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A PARÁBOLA DO FERMENTO

No relato da parábola do fermento, presente em Lucas 13:21, Jesus utiliza símbolos e imagens singelas para veicular ensinamentos espirituais. Estes temas, conectados à neuroespiritualidade, foram mais tarde elucidados à humanidade através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier no livro "No Mundo Maior.

Diz a parábola, 

A que é semelhante o Reino de Deus e com o que posso compará-lo? É semelhante a um fermento que uma mulher tomou e misturou em três partes da massa, até a massa toda ficar levedada. 

A expressão "Reino de Deus" é uma das mais recorrentes nas palavras de Jesus, conforme registrado nos quatro evangelhos. Isso por si só sinaliza a centralidade e a profundidade desse conceito em sua mensagem, convidando-nos a uma reflexão profunda sobre seu significado.

Neste sentido, Lucas 17, 20-21 é particularmente revelador quanto a este conceito.

No episódio mencionado, um fariseu, que representa aqui uma compreensão mais literal e expectante da vinda do Reino, indaga a Jesus sobre o tempo e o modo de sua manifestação. Muitos, na época, ansiavam por um reino tangível, um evento espetacular na sequência histórica que mudaria a ordem das coisas.

A resposta de Jesus, contudo, desconstrói essa expectativa. Ele declara que o Reino de Deus não se manifesta através de indicativos externos visíveis. Não é um evento que possamos apontar e dizer: "Veja, está aqui!" ou "Lá está!". Em vez disso, Jesus apresenta uma perspectiva transcendental e, ao mesmo tempo, profundamente pessoal: o Reino de Deus está intrinsecamente ligado à intimidade do ser humano, à sua essência e consciência. Em outras palavras, não é apenas um fenômeno exterior a ser observado, mas uma realidade interna a ser vivenciada e realizada dentro de cada indivíduo. 

A forma como Jesus responde ao fariseu revela que o termo "Reino de Deus", de fato, guarda uma profunda conexão com a dimensão imaterial do ser, refletindo a consciência e o psiquismo humano. 

A Parábola do Fermento se torna um paralelo instrutivo para este entendimento. Fermento, por sua natureza, é um agente de transformação. Ele trabalha de dentro para fora, modificando a essência da massa, tornando-a mais leve e expansiva. Ao fazer referência a três medidas de fermento, Jesus não apenas destaca a ideia de transformação, mas também a ideia de completude. 

A metáfora do pão, especialmente no contexto judaico-cristão, é rica em significados e implicações. Na tradição bíblica, o pão tem sido frequentemente associado à providência divina e ao sustento espiritual. 

A Parábola do Fermento, com sua ênfase na transformação da massa por meio do fermento, nos oferece uma visão do processo de desenvolvimento e maturação espiritual. Assim como o pão precisa passar por várias etapas - desde a escolha dos ingredientes, a mistura, o tempo de fermentação e, finalmente, o cozimento - a jornada espiritual de um indivíduo também é marcada por fases distintas de crescimento, aprendizado e transformação.

É intrigante notar que o texto apresenta uma fórmula – adição de fermento em três partes da massa – que garante a fermentação de toda a massa, até que esteja pronta para ser assada e transformar-se em pão. 

A simbologia do pão na tradição cristã é profundamente enraizada e multifacetada. O pão, em muitas culturas e tradições, é visto como o sustento básico da vida. Em um contexto mais amplo, representa a satisfação das necessidades humanas – tanto físicas quanto espirituais. 

Provavelmente, esse é o intuito de Jesus ao se proclamar o "pão da vida" (João 6:48). Assim como o pão alimenta e fornece energia ao corpo, a presença e os ensinamentos do Cristo buscam nutrir e revitalizar o espírito humano. Neste contexto, "vida" refere-se a uma existência enriquecida e plena, não apenas em termos de longevidade, mas de qualidade e profundidade espiritual.

Se o pão é o alimento que sacia a fome, Jesus, ao se autodenominar o "pão da vida" (João 6:48), faz uma alusão a um padrão psíquico, sem dúvida. E, neste caso, o pão pode ser interpretado como um símbolo do espírito que atingiu a plenitude espiritual e mantém uma conexão íntima e perfeita com Deus.

A Parábola do Fermento aborda o processo pelo qual o espírito (psiquismo humano) se desenvolve através das inúmeras experiências encarnatórias, até atingir o padrão de Cristo e ser comparado ao pão, elemento que nutre e sacia a fome. 

Neste contexto, as lições presentes no livro "No Mundo Maior", de autoria do espírito André Luiz e psicografado por Francisco Cândido Xavier, trazem esclarecimentos valiosos. No terceiro capítulo da referida obra, o benfeitor espiritual Calderaro aborda o tema "Casa Mental" ou "Castelo de Três Andares". Esta analogia é utilizada para exemplificar o psiquismo humano, dividido em "três andares". Essa divisão encapsula toda a trajetória evolutiva do ser, bem como as potencialidades que são intrínsecas a ele. Estas potencialidades residem no interior do indivíduo, à espera de serem despertadas, assim como sementes prontas para germinar.

Esclarece, assim, Calderado:

O cérebro é o órgão sagrado de manifestação da mente, em trânsito da animalidade primitiva para a espiritualidade humana. Nessa penosa romagem, inúmeros milênios decorreram sobre nós. Estamos, em todas as épocas, abandonando esferas inferiores, a fim de escalar as superiores.

O tema não ficou restrito apenas a esfera  do espiritismo. A neurociência também se debruça sobre ele. Em 1970, o neurocientista Paul MacLean, após pesquisar a estrutura encefálica, propôs o conceito do cérebro triuno. Este conceito também sugere uma estrutura cerebral dividida em três regiões, que se sobrepuseram durante a evolução da espécie humana, muito alinhado ao que foi mencionado anteriormente em "No Mundo Maior", publicado em 1947. 

A análise das estruturas que formam a mente, constituindo a 'casa mental', e aquelas presentes no corpo físico, como o cérebro, é crucial para a compreensão da Parábola do Fermento. 

Essa conexão entre a visão espiritual e científica é fascinante e ajuda a criar um diálogo entre as duas áreas, mostrando que, em muitos casos, elas podem estar apontando para a mesma verdade a partir de perspectivas diferentes.

As três porções de fermento mencionadas na parábola fazem referência às três estruturas que compõem o modelo da casa mental. Esses andares ou estruturas representam conquistas do espírito ao longo de seu processo evolutivo.

A analogia é perfeita. A massa só fermenta quando se adicionam as três porções de fermento. Da mesma forma, o espírito só atinge a perfeição, à semelhança do Cristo (Pão da Vida), quando suas conquistas estão solidificadas em sua casa mental. Além disso, é essencial manter a harmonia entre as três estruturas que a compõem. Não estamos falando de três cérebros, mas de um único cérebro com três departamentos que interagem constantemente. 

No primeiro andar, encontram-se as conquistas do espírito no domínio dos instintos, que garantiram sua sobrevivência ao longo dos milênios. Esse andar é um arquivo do passado. Nele estão armazenadas as energias mais primitivas, os hábitos, automatismos, impulsos e tendências. Pode-se afirmar que o primeiro andar representa o "homem velho", prisioneiro de suas paixões, vícios e perturbações instintivas. Quando o ser age por impulso ou de forma automática, está acessando as energias desse primeiro patamar da casa mental.

No segundo andar encontram-se as conquistas recentes. Esse é o departamento do esforço e da vontade, o lugar onde as qualidades nobres estão sendo construídas e solidificadas. É deste segundo patamar que surgem os esforços necessários para domar as más tendências, adquiridas ao longo da evolução e arquivadas no primeiro andar da casa mental.

Quando o ser desperta para a realidade de sua natureza imortal em direção a Deus e entende que Jesus é o modelo, deixando-se guiar por Suas lições, estabelece-se uma verdadeira sintonia com as energias que emanam, em forma de convites e inspirações, do terceiro andar. O segundo andar é o departamento que abriga as conquistas recentes no âmbito da virtude e dos sentimentos.

 Por fim, o terceiro andar é o refúgio das noções mais elevadas. Representa o futuro e o ser cósmico que está latente dentro do ser humano, conforme as palavras de Jesus: "Vós sois deuses". Nesse terceiro nível da mente residem os ideais nobres e as aspirações elevadas que o indivíduo busca alcançar. É a representação do homem novo, já consolidado. É ali que se encontram gravadas as leis divinas, como mencionado na questão 621 do Livro dos Espíritos. 

Quando Paulo de Tarso proferiu a famosa frase, ao final de sua vida, "não sou eu mais quem vive, mas o Cristo que vive em mim", ele estava sob as energias inspiradoras do terceiro andar de sua casa mental. 

Neste prisma, pode-se afirmar que todos os conflitos humanos, as enfermidades e as dificuldades que experimentamos na vida decorrem da nossa inércia em educarmos essas energias psíquicas, especialmente aquelas que se encontram no porão da consciência, o primeiro andar da casa mental.

O maior desafio de nossa atual encarnação é desenvolver o segundo andar da casa mental. Para isso, devemos utilizar as ferramentas do esforço e da vontade, a fim de superarmos tendências inferiores, hábitos animalizados e paixões asselvajadas. Assim, damos aos instintos — forças da alma — uma direção nobre, colocando-os a serviço de nossa evolução moral.

Do terceiro andar, por enquanto, apenas recebemos inspirações e convites voltados à prática do bem. Ao estabelecer harmonia entre as energias que emanam do primeiro e segundo andares, nos capacitamos a viver segundo o padrão mental presente no terceiro andar. Dessa maneira, alcançamos a consciência cósmica em plena sintonia com Deus.

É neste ponto que a massa é levedada e está pronta para se tornar pão, saciando a fome. "Pois àquele que vai ao Cristo, de modo algum sentirá fome (João 6:35)."


quarta-feira, 5 de junho de 2019

A CANDEIA DEBAIXO DO ALQUEIRE

Na parábola da Candeia Jesus encoraja cada indivíduo a ser o arquiteto de sua própria evolução espiritual, enfatizando a importância da autotransformação moral. Este ensinamento convida-nos a refletir profundamente sobre nossa trajetória e responsabilidades, destacando que, em nossas mãos, está a capacidade de moldar nosso caráter e destino através da introspecção e do compromisso moral.

A parábola traz o seguinte texto em Lucas 8, 18 a 18: 


Ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com um vaso, ou a coloca de baixo de um leito, mas coloca-a sobre o candeeiro para que os que entram vejam a luz. Porque não há algo escondido que não se torne manifesto, nem oculto que não venha a ser conhecido e manifesto. Vede, pois, como ouvis; pois quem tiver, a ele será dado, e quem não tiver, até o que parece ter será tirado dele.


A verdadeira essência da parábola da Candeia demanda uma análise minuciosa de cada versículo individualmente. Esse exercício de reflexão detalhada nos permite capturar e compreender plenamente a mensagem que Jesus desejava transmitir.

1-Ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com algum vaso, ou a põe debaixo da cama; mas põe-na no velador, para que os que entram vejam a luz. 

Candeia era um instrumento essencial de iluminação durante a época de Jesus, alimentada por óleo e comumente encontrada em todas as residências. Era tradicionalmente posicionada em lugares elevados dentro das casas para garantir uma distribuição eficaz da luz no ambiente. 

Na parábola da candeia, Jesus utiliza esta simbologia para nos encorajar a uma introspecção profunda, buscando a iluminação de nosso íntimo. Ele nos alerta sobre as densas sombras internas que frequentemente originam atitudes, comportamentos, reações, pensamentos e palavras que podem surpreender e perturbar a própria pessoa que os manifesta. O Mestre nos convida a iluminar essas áreas obscuras de nossa psique para alcançarmos uma verdadeira transformação interior. 

Quantas vezes nos pegamos surpresos por nossos próprios pensamentos, permeados por sentimentos de rancor, inveja, ciúme, ódio ou desejo de vingança? Quantas vezes nos sentimos envergonhados por nossas próprias palavras, ações e comportamentos? Tais manifestações ocorrem porque o psiquismo humano encontra-se, muitas vezes, imerso em profundas sombras, reclamando  iluminação. Este acervo interno obscuro, em diversas ocasiões, se conecta com a espiritualidade de ordem inferior, conforme elucidado no Livro dos Espíritos. E, como destaca Emmanuel no livro "Pensamento e Vida", psicografado por Francisco Cândido Xavier, "todos nós somos capazes de captar as emissões mentais daqueles que pensam como nós". 

Por isso, o processo do autoconhecimento se faz urgente, sobretudo neste tempo de transição planetária. 

Na parábola, a candeia tem como fonte de combustível o óleo. Qual seria o combustível que pode gerar iluminação no campo íntimo, permitindo o ser iluminar suas densas sombras internas? 

Em João 8:32, Jesus nos oferece uma diretriz clarividente: "Conhecereis a verdade e ela vos libertará". 

A verdade é, portanto, o caminho capaz de libertar a criatura humana das próprias sombras internas, libertando-se, assim, de toda dor e sofrimento. Ela é o farol que nos guia, o combustível que ilumina nosso íntimo.

Mas, afinal, o que é a verdade? 

A pergunta foi feita pela primeira vez à Jesus pelo governador da Judeia, Pôncio Pilatos, há dois mil anos, conforme está no Evangelho de João 18, 38.  O Mestre, no entanto, fez silêncio a respeito. 

O espírito Humberto de Campo, no livro Lázaro Redivivo, capítulo 32, psicografia Chico Xavier, esclarece que o silêncio de Jesus à Pilatos se deu porque o conhecimento da Verdade não é um bem transmissível, não se pode conquistá-la por informações alheias, no caminho da vida. A verdade é uma realização pessoal e eterna, que deve ser construída e assimilada gradativamente dentro de cada ser, moldada e compreendida por meio das experiências, reflexões e, sobretudo, da consciência individual.

Se a verdade é o combustível que tem o potencial de iluminar e libertar a alma de suas trevas internas, pavimentando o caminho para o autoconhecimento, então surge a questão inevitável: como podemos alcançá-la? 

No Evangelho de João 14, 6,  Jesus afirma: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim". 

Ao confirmar sua conexão plena com Deus, Jesus nos indica que a verdadeira aproximação com o Pai ocorre por meio dele. Suas palavras e ensinamentos, consolidados em seu Evangelho de Amor, são como um farol para todas as almas que buscam esse estado de comunhão divina. O Evangelho, repleto de amor e sabedoria, é o combustível capaz de iluminar os corações e direcionar as almas rumo à verdadeira iluminação.

No entanto, é crucial entender que apenas o conhecimento superficial do Evangelho não basta. A simples leitura e memorização de seus versículos não garantem a transformação interior e a iluminação da alma. 

o adentrarmos nas páginas do livro "Renúncia", ditado pelo espírito Emmanuel e psicografado por Chico Xavier, somos conduzidos aos profundos ensinamentos de Alcione, a personagem central da narrativa. Ela destaca que o Evangelho de Jesus não é apenas um conjunto de palavras ou histórias, mas sim um vasto trajeto de ascensão espiritual. E, para trilhar esse caminho com verdadeira dedicação, não basta somente conhecer suas palavras, mas é essencial meditar sobre elas, sentir sua profundidade e, acima de tudo, vivenciar seus ensinamentos.

Seguindo a perspectiva de Alcione, podemos perceber que a jornada de autoiluminação se desenrola em etapas. A primeira é o conhecimento. Assim como uma candeia precisa ser acesa para iluminar a escuridão, o coração humano precisa do conhecimento do Evangelho para iluminar sua jornada espiritual. Ler e estudar as palavras de Jesus é mais do que um mero exercício intelectual; é o início da ignição interna que clareará todo o ser. Isso constitui o primeiro passo consciente em direção à evolução, o momento em que o indivíduo decide ativamente acender a luz de sua alma através da sabedoria contida nas mensagens evangélicas.

Por outro lado, não basta acender a candeia e colocá-la debaixo do leito, ofuscando-a. Apenas estudar os ensinamentos de Jesus, sem aplicá-los no cotidiano, é o mesmo que ofuscar a luz que foi acesa.

Para sustentar viva a chama da candeia em nosso íntimo, é essencial prosseguir na senda evolutiva que nos aproxima de Deus. É imprescindível, portanto, meditar sobre o conhecimento assimilado. Meditar significa aquietar a mente, permitindo que o ensinamento ressoe no coração. Trata-se de decifrar o texto e compreender sua relevância para a vivência cotidiana, questionando-se: "De que maneira posso incorporar em meu dia a dia o ensinamento de 'perdoar 70x7'? Como posso manifestar em minhas ações o mandamento 'amai-vos uns aos outros'? Como posso vivenciar o princípio de 'atire a primeira pedra quem estiver sem pecado', abstendo-me de julgar o próximo? De que forma posso abraçar as lições de auto-perdão, expressas nas palavras de Cristo 'Vai e não tornes a pecar'?" A lista é extensa, pois os ensinamentos de Jesus são inúmeros e cada um carrega profundas reflexões e orientações para nossa evolução espiritual

Meditar é refletir, visualizando a sua aplicação. 

Sentir e vivenciar o Evangelho exige esforço, disciplina, e uma imensa capacidade de persistência, porque são verbos que conjugam emoções e sentimentos. 

Não é nada fácil para espíritos habitantes de um mundo de provas e expiações, onde o mal prepondera, amar e desenvolver todas as demais virtudes, filhas do amor. Isso acontece porque, como espíritos ainda em processo de evolução, estamos habituados a sentimentos mais rudimentares ligados ao Ego, como egoísmo, rebeldia, orgulho, vaidade e outras imperfeições, ancoradas no interesse pessoal

No entanto, se Jesus veio ao mundo para exemplificar o amor, é sinal que humanidade está pronta para desenvolver esta virtude. Afinal, o amor também se aprende e se desenvolve com exercícios, como ensina o espírito Joana de Angelis, no livro Garimpos de Amor, página 14:

Eis por que é necessário aprender-se a amar, porquanto o amor também se aprende, aprimorando-se incessantemente. Esse aprendizado é feito através de treinamento, de exercícios repetitivos, no início sem muita convicção, para, de imediato, passar-se a senti-lo em forma de bem-estar e de harmonia íntima. 

Mas como exercitar as virtudes? 

Nos tempos atuais, graças a bondade imensa do Criador, a humanidade conta com variados recursos no campo das modernas terapias que auxiliam o ser na modulação de suas emoções, auxiliando-o no processo do autoconhecimento, caso entenda necessário. 

Jesus, em sua sabedoria infinita, nos ensinou que o amor pode ser exercitado e apreendido, conforme está em Mateus 7,12. Quando o ser humano faz aos outros tudo o que gostaria que lhe fosse feito e quando deixa de fazer aos outros o tudo que não gostaria que lhe fizessem, está conjugando o verbo amar. 

A autoiluminação é o convite expresso na Parábola da Candeia, permitindo ao ser evoluir de forma consciente, já que lhe permite ampliar sua visão íntima. Isso o capacita a reconhecer suas falhas morais para transformá-las, alinhando seu psiquismo ao modelo de Jesus.

"Brilhe a vossa luz diante dos homens!" Este é o convite de Jesus. No entanto, para que a luz interna brilhe, é necessário libertá-la das sombras que a encobrem. 

Jesus destaca na Parábola e esclarece que o processo de autoiluminação amplia a compreensão interna do ser no âmbito dos sentimentos e emoções, levando-o ao autoconhecimento

2- Porque não há coisa oculta que não haja de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz. 

Quando praticamos o autoconhecimento por meio da introspecção, nossas imperfeições morais, nossos sentimentos egoístas e nossas ilusões vão, gradualmente, se tornando evidentes. À medida que trazemos à consciência nossos conflitos e dificuldades internas, torna-se imprescindível aceitarmo-nos, pois possuir imperfeições é próprio da condição humana. Somos espíritos ainda imperfeitos em aprendizado constante. Por isso, devemos trabalhar, com muita paciência, para atenuar as falhas morais identificadas, até que desapareçam por completo. Não devemos negá-las, reprimi-las ou mascará-las, mas aceitá-las, numa postura de quem reconhece estar em processo de construção íntima, guiado por Jesus. 

E, conclui, o Mestre Jesus:

 3- Vede, pois, como ouvis; porque a qualquer que tiver lhe será dado, e a qualquer que não tiver até o que parece ter lhe será tirado.

 Ao nos movimentarmos em direção ao autoconhecimento, trazendo à luz sentimentos grosseiros que estavam ocultos e trabalhando pela sua transformação, mais nos será concedido em termos de força, bênçãos e visão íntima, permitindo-nos prosseguir em nossa jornada de iluminação.

O processo de autoconhecimento nos permite descortinar pseudo-virtudes e falsas manifestações de bondade, humildade e amor, que servem apenas para mascarar nossas verdadeiras imperfeições. Por isso, Jesus diz: “aquilo que parece ter lhe será tirado" – referindo-se às pseudo-virtudes que a pessoa adota para parecer algo que não é, sugerindo que, no processo de evolução consciente, o ser humano, com clareza, desvitaliza as suas próprias máscaras.

O processo de evolução consciente, que leva a conquista da transformação moral, por meio do autoconhecimento, é gradativo, longo e bastante difícil, mas é o único caminho que nos libertará de todo sofrimento e de toda dor. 

Vinde a mim, todos vós que sofreis, e eu vos aliviarei." O caminho que nos conduz a Jesus começa com o entendimento de seu Evangelho de Amor. Ao refletirmos e aplicarmos seus ensinamentos, somos convidados a vivenciá-los em sua plenitude. Apenas ao incorporarmos verdadeiramente a mensagem de Jesus é que chegaremos até Ele, encontrando alívio e uma felicidade genuína. O percurso é árduo, mas tenhamos coragem. É possível triunfar!