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sábado, 31 de março de 2018

A ÚLTIMA CEIA


A tradição católica celebra a Paixão, Morte e a ressurreição de Jesus Cristo, em cerimoniais litúrgicos que em data definida no calendário católico, conhecida como Semana Santa. O Domingo de Páscoa, nessa tradição, é dedicado à celebração da ressurreição de Jesus, simbolizando, sobretudo, a vitória da vida sobre a morte.

A Páscoa judaica é uma das celebrações mais significativas para o povo judeu, pois marca a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, que se estendeu por aproximadamente quatrocentos anos. Notavelmente, os últimos dias de Jesus na Terra coincidiram com as festividades dessa Páscoa judaica

Jerusalém era uma cidade santa para o povo judeu, pois abrigava o grandioso Templo de Salomão, onde se realizavam as principais cerimônias religiosas. Por essa razão, durante as celebrações, a cidade se enchia de peregrinos. Pessoas de toda a Palestina partiam em romaria rumo a Jerusalém para participar das festividades da Páscoa, que se estendiam por oito dias.

No entanto, naqueles dias, Jesus, que era judeu, estava ausente de Jerusalém. Ele havia se dirigido com seus discípulos para Betânia, atendendo ao chamado de amigos muito queridos: Marta e Maria, irmãs de Lázaro.

As irmãs enviaram mensagem a Jesus, implorando sua presença, pois Lázaro estava gravemente doente (João 11, 1-3). Jesus, ao chegar em Betânia, descobre que Lázaro já estava no sepulcro há quatro dias e que seu corpo já exalava mau odor (João 11, 39)

Jesus, diante de um expressivo número de testemunhas, dirigiu-se ao sepulcro e ordenou: "Lázaro, sai para fora!" (João 11:43). Esse foi o milagre mais notável realizado por Ele. As pessoas presentes ficaram perplexas e maravilhadas. Nunca antes na história alguém havia feito algo semelhante. A notícia desse fenômeno espalhou-se rapidamente por toda a Palestina. Muitos viajaram até Betânia para verificar os fatos e se depararam com a extraordinária realidade: Lázaro estava vivo!

Jesus retorna a Jerusalém, cidade que estava repleta de pessoas devido às comemorações da Páscoa. Ao saber que Jesus estava a caminho de Jerusalém (João 12:12), o povo, em êxtase, entoou hinos e salmos, lançando ramos de palmeiras ao chão para criar um tapete verde em homenagem à passagem do rei. Após o milagre da ressurreição de Lázaro, o povo não tinha mais dúvidas: Jesus era o rei, o Messias esperado que viria para libertar os judeus do domínio romano.

Jesus entra na cidade, mas não da maneira tradicional da época, quando os reis, após vencerem guerras, faziam sua entrada triunfal montados em cavalos e corcéis majestosos. Jesus, o Príncipe da Paz, adentra a cidade montado em um jumento, simbolizando que sua vitória é sobre o mundo e que seu reino é fundamentado no amor e na paz.

Os fariseus já haviam decidido que Jesus deveria morrer (João 11:53-57), mas não se atreveram a prendê-lo diante do povo em êxtase. Era necessário capturá-lo em um momento de isolamento. Jesus, ciente de sua situação, não evitava os fariseus e sabia que sua hora de partir estava próxima (João 11:1). No entanto, Ele tinha um desejo ardente de celebrar a última ceia da Páscoa com seus discípulos (Lucas 22:11). Por isso, buscava um local seguro para se reunir com eles, longe dos olhares e mira farisaica. 

Jesus, então, envia Pedro e João às portas da cidade com uma missão: encontrar um homem carregando um cântaro. Esse homem os conduziria até sua casa, onde celebrariam a última ceia. O homem do cântaro, uma figura misteriosa cujo nome e origem não são registrados nos evangelhos, generosamente ofereceu sua casa para que Jesus e seus discípulos realizassem a celebração (Lucas 22:8-13). 

A última ceia, também conhecida como a ceia da Páscoa, nos legou inúmeros ensinamentos. A descrição desse momento nos quatro evangelhos é repleta de conteúdo espiritual, tão vasto que é desafiador enumerar todos os pontos sem tornar a leitura exaustiva. 

Por isso, selecionamos três tópicos para uma breve reflexão.

1- Na última ceia, Jesus anunciou a vinda do Consolador prometido, interpretado por alguns como a doutrina espírita. Conforme João 14:15-26: "Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre." (João 14:15) "Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito." (João 14:26). 

A doutrina espírita não foi concebida pelos homens do mundo, mas revelada ao mundo pelas vozes celestiais. Allan Kardec foi o instrumento escolhido por Jesus para codificar os ensinamentos oriundos do além. Da mesma forma que Moisés recebeu os Dez Mandamentos diretamente dos céus, Allan Kardec, com a ajuda de diversos médiuns, recebeu das esferas sublimes, cumprindo-lhe apenas sistematizar e codificar os conteúdos transmitidos pelos espíritos. 

O espiritismo representa a concretização da promessa feita por Jesus naquela última ceia. Pois, após Ele, nenhuma outra doutrina religiosa ou filosófica chegou à Terra proveniente dos céus.

O espiritismo reaviva os ensinamentos do Cristo, fornecendo a chave para a interpretação de diversos textos que, à primeira vista, parecem enigmáticos. Isso porque, naquela época, o mundo ainda não estava preparado para compreender todos os ensinamentos transmitidos pelo Senhor.

Foi necessário que a humanidade progredisse em conhecimentos filosóficos e científicos para adentrar nos ensinamentos profundos ministrados pelo Cristo. Esse avanço também foi crucial para a compreensão dos temas abordados nas cinco obras que compõem a doutrina espírita: "O Livro dos Espíritos", "A Gênese", "O Livro dos Médiuns", "O Céu e o Inferno" e "O Evangelho Segundo o Espiritismo".

2- Foi também naquela última ceia que Jesus destacou as duas maiores virtudes que a humanidade deve cultivar. Conjugadas nos verbos "amar" e "servir", elas habilitam o ser humano a aspirar à angelitude.

O verdadeiro amor é a manifestação de todas as outras virtudes. Quem ama, perdoa incondicionalmente. Quem ama demonstra paciência, tolerância, misericórdia, mansidão e é, ao mesmo tempo, pacífico e pacificador.

O apóstolo Paulo, ao abordar o tema do amor em sua primeira carta aos Coríntios, fez isso de maneira tão bela e profunda que sua mensagem foi transformada em versos e reverberou pelo mundo.“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como um bronze que ressoa ou como o prato que retine.  Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.  Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.

Naquela última ceia, Jesus disse aos discípulos: "Amai-vos uns aos outros. Não apenas como amais a vós mesmos, mas amai-vos ainda mais, como eu vos amei. Pois os meus discípulos serão reconhecidos por muito amarem." (João 13:34). Um discípulo de Jesus é identificado pela sua capacidade de amar os demais seres do mundo exatamente como eles são.

Deus ama todas as suas criaturas, do verme ao anjo, com igualdade. Seu amor é incondicional, abrangendo tanto o algoz quanto a vítima. No livro "Paulo e Estevão", psicografado por Chico Xavier e ditado pelo espírito Emmanuel, na última página, após o desencarne do apóstolo Paulo, Jesus, acompanhado de Estevão, vai ao encontro do espírito de Paulo. Ele lhe diz que é da vontade do Pai que verdugos e mártires se unam eternamente em Seu reino. O amor é a mais elevada conquista da criatura humana, essencial para a ascensão à angelitude.

No entanto, o amor é verbo que não se conjuga sozinho, pois quem ama serve.

Quando Jesus anunciou, naquela última ceia, sua partida e a iminente chegada do Reino de Deus, os discípulos começaram a debater sobre quem seria o maior nesse Reino. A situação foi descrita em Lucas 22:24-27. Jesus, então, esclareceu-lhes que, no Reino de Deus, o maior será sempre aquele que mais serve, que mais se dedica, e que auxilia a todos sem queixas.

"Amar" e "servir" são dois verbos que, quanto antes soubermos conjugar, mais felicidade e saúde alcançaremos. 

3- Também naquela última ceia, Jesus revelou a traição de Judas e a negação de Pedro. Estes episódios merecem profunda reflexão, pois representam dois arquétipos, dois padrões psíquicos universais intrínsecos à condição humana. Ao expor a negação e a traição diante daquela assembleia, Jesus empregava métodos terapêuticos buscando induzir Pedro e Judas à introspecção. Durante toda a ceia, através de suas palavras e ações, ambos projetavam sombras internas, aspectos ocultos do inconsciente que necessitavam ser trazidos à luz. 

Jesus os convoca a introspecção.

Tendo advertido Pedro, o diálogo com Judas adquiriu maior profundidade. Jesus captava as emanações perturbadoras da atmosfera psíquica de Judas e procurou socorrê-lo, agindo como um professor que facilita o processo de aprendizado do discípulo.

Jesus empenha-se em auxiliar Judas no processo de despertar, permitindo que o discípulo aproveite os últimos momentos ao seu lado e se liberte da letargia que o mantinha preso no mundo

Após anunciar que seria traído e que o traidor seria identificado ao qual desse um pedaço de pão, todos acompanharam o gesto de Jesus em direção a Judas (João 13,26). Todos escutaram quando o Mestre disse a Judas: "Faça logo o que você tem que fazer" (João 13,27). Judas levantou-se e foi negociar com os fariseus a entrega de Jesus. Seria esse o papel destinado a Judas? Era essa a intenção de Jesus em relação a Judas? Será que Judas veio ao mundo com esse propósito?

É óbvio que não. A frase dita por Jesus objetivou o despertar de Judas, com o fim de lembrá-lo de sua missão na Terra. Ninguém tem como missão cometer crimes, erros ou equívocos. Todos nós temos como missão vencer a nós mesmos, superando hábitos e costumes equivocados que adquirimos em encarnações passadas.

Judas estava completamente conectado com as ilusões do mundo material. Ele desejava que Jesus alcançasse o poder terreno. Ele acreditava firmemente que, ao entregar Jesus ao Sinédrio, isso resultaria em uma guerra civil e que sairiam vitoriosos. Isso se devia ao fato de que apenas algumas horas antes, a multidão em Jerusalém havia aclamado Jesus como o rei dos judeus (João 12,13).

Jesus decifra a intimidade de Judas e busca despertá-lo, pois Judas, assim como todos nós, tinha a missão de transformar sua perspectiva em relação ao mundo e a si mesmo.

Judas viveu ao lado de Jesus durante todo o seu ministério de amor. Recebeu o melhor alimento espiritual diretamente da fonte mais pura e, tendo nutrido o espírito, chegou o momento de realizar a tarefa que lhe foi designada.

Da mesma forma, somos como ele. Estamos recebendo alimento espiritual da fonte há quanto tempo? Há quanto tempo nos nutrimos do amor que extraímos das lições de Cristo? Para todos nós também chegou a hora de agir prontamente, realizando aquilo para o qual viemos ao mundo.

Há uma frase que diz que os dias mais importantes de toda nossa vida são dois; o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos o porquê nascemos. 

Sabemos que estamos neste mundo com o propósito de evoluir, um objetivo que somente pode ser alcançado através do autoconhecimento. Devemos permitir que as transformações ocorram, sempre utilizando Jesus como nosso ponto de referência, modelo e guia. Ele nos serve como inspiração e direção na busca por nos tornarmos melhores versões de nós mesmos.

Chega o momento para todos nós de realizar esse trabalho de forma rápida, depressa, deixando para trás as ilusões do mundo e voltando-nos para o nosso interior. Já gastamos muito tempo e energia na busca por conquistas materiais que, eventualmente, serão consumidas pelo tempo. Isso é apenas uma questão de tempo!

Assim como Judas, se continuarmos presos a ilusões, também trairíamos Jesus através de nossa inércia. A inércia se configura como traição daqueles que não se movem em direção à transformação moral, sendo que viemos a este mundo justamente para cumprir essa tarefa. Se não agirmos rapidamente para realizar aquilo para o qual viemos, a oportunidade passará, a encarnação passará, e encerraremos nossa jornada com a sensação de falha, acreditando que traímos nosso projeto encarnatório e, ainda mais dolorosamente, que traímos Jesus.

Quando perguntaram a Chico Xavier qual era a maior a dificuldade que os espíritos enfrentam após a morte, respondeu a maior antena psíquica que o mundo já conheceu: A questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A FIGUEIRA QUE SECOU



O Evangelho de Marcos, no capítulo 11, versículos 12 a 20, narra que Jesus caminhava rumo a Jerusalém na companhia de seus discípulos. Em dado momento da caminhada, diante de uma figueira com folhas verdes e sentindo fome, aproximou-se para colher algum fruto. Ao verificar a ausência de frutos — até porque não era tempo de figos —, disse à figueira que nunca mais produziria frutos.

Ao retornar de Jerusalém rumo à Galileia, percorreu o mesmo trajeto da ida, e os discípulos notaram que a figueira realmente secara desde a raiz. Então Pedro comentou: 'Mestre, eis que a figueira que amaldiçoaste secou.'

A leitura dessa passagem causa perplexidade a qualquer leitor, que fica a se perguntar como é possível que Jesus, o Mestre do Amor, amaldiçoe uma árvore só porque ela não lhe ofereceu um fruto fora da estação.

Embora certos comportamentos de Jesus possam parecer estranhos à primeira vista, é importante entender que o Mestre não transmitia seus ensinamentos apenas por meio das palavras, mas sobretudo através de suas ações. E toda ação de Jesus carrega um conteúdo superior que exige do intérprete um mergulho espiritual na lição do Cristo.

A representação da figueira que não deu frutos temporãos para saciar a fome de Jesus é apenas o contexto que o Mestre utilizou para canalizar a lição transmitida. Aquela figueira não podia ter frutos; tanto é que o evangelista Marcos fez questão de ressaltar que não era época de figos. No entanto, aquela figueira estava exuberante em folhas, porque era uma árvore que se adiantou e encheu-se de folhas, criando assim a expectativa de figos.

A imagem é simbólica e, em se tratando de símbolos, é imprescindível buscar no Antigo Testamento o significado simbólico das representações que compõem o quadro desta passagem narrada em Marcos.

No livro do profeta Oséias, que viveu em 700 a.C., no capítulo 9, versículo 10, está narrado: 'Achei Israel como uvas no deserto, vi vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio.'

O profeta Oséias compara o povo hebreu a um figo temporão na figueira. Temporão porque aquele era um povo que estava à frente dos outros povos da época. Os hebreus estavam numa situação espiritual mais avançada em relação aos seus contemporâneos: os egípcios, os babilônios, os sírios e todo o povo do Oriente Médio.

Os hebreus já tinham avançado espiritualmente a ponto de assimilar as leis morais que Moisés trouxe, sobre a existência de um Deus único, criador de todas as coisas. Os hebreus eram um povo à frente dos outros; por isso, os profetas os comparavam a uma árvore temporã.

Mas adiante, prossegue Oséias, dizendo:” Achei Israel como uvas no deserto, vi vossos pais como a fruta temporã da figueira no seu princípio, mas eles foram para Baal-Peor, e se consagraram a essa vergonha, e se tornaram abomináveis como aquilo que amaram.

Baal-Peor está relacionado ao culto de uma divindade de pedra que incluía orgias sexuais de irrestrita devassidão. Por isso, o profeta Oséias, que viveu 700 anos depois de Moisés, lamenta que o povo hebreu, destinatário da primeira revelação, em vez de se conduzirem movidos por essa nova regra de conduta, demonstravam ter falhado no projeto.

O povo hebreu, mesmo tendo conhecimento das leis divinas trazidas por Moisés, continuou se entregando às práticas mais grosseiras e ignorantes. Por isso, o profeta Oséias comparou o povo que recebeu a primeira revelação a uma fruta temporã que, infelizmente, falhou na sua missão

O profeta Miquéias, capítulo 7, versículo 1, diz o seguinte:

Ai de mim! Porque estou como quando são colhidas as frutas do verão, como os rabiscos da vindima: não há cacho de uvas para comer, nem figos temporãos que a minha alma desejou.

Rabiscos da vindima são os restos de uma colheita de uva. Era comum os camponeses deixarem, durante a colheita, parte dos frutos nas videiras e nas oliveiras para que os pobres se saciassem.

Essa manifestação de Miquéias se apresenta como um verdadeiro desapontamento com a situação de Israel; por isso, compara o seu desalento ao desalento de alguém que vai apanhar os rabiscos das vindimas e nada encontra.

Todavia, Miquéias, ao dizer que não encontrava 'nem figos temporãos que a minha alma desejou,' revela que a natureza de sua fome é espiritual, posto que procedia da alma. E é exatamente essa a fome que Jesus desejava saciar: a fome da alma.

O Mestre enviou, por mil e quinhentos anos, vários profetas para preparar o solo dos corações para a semeadura que ele faria. E quando Ele vem, trazendo a mensagem luminosa do Amor, é natural que, antes de partir (pois essa passagem da figueira acontece uma semana antes de sua crucificação), Ele demonstre ter fome — mas uma fome de colher resultados à altura do investimento espiritual.

No entanto, a árvore só apresentava folhas; não tinha frutos. Então, Ele diz: 'Nunca mais ninguém coma fruta dessa figueira,' ou seja, a missão de iluminar os corações seria retirada do povo hebreu e transferida a outro povo.

Dois mil anos depois, Humberto de Campos, pela psicografia de Chico Xavier, entrega a obra 'Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.' No primeiro capítulo, há um diálogo entre Jesus e Helil, no qual o Mestre assevera em um determinado trecho:

'Para esta Terra maravilhosa e bem-dita, será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fértil, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal.

O verbo empregado por Jesus chama a atenção: 'transplantar'. Apontando o território brasileiro, Ele diz que nessa terra a árvore do Seu evangelho será transplantada, ou seja, vem para cá porque foi retirada de outro lugar.

O símbolo da árvore atravessou o tempo. Allan Kardec, quando terminou de compilar as informações do mundo espiritual, reunindo-as no 'Livro dos Espíritos', recebeu da equipe do Consolador instruções a respeito da ilustração que deveria estampar a capa do livro. Curiosamente, era mês de abril, não era tempo de figo, nem de uva, mas os espíritos disseram a ele: 'Desenha o ramo de uma videira, desenha um cacho de uva, porque esse é o emblema do trabalho do Criador. O espírito é uma videira. Deus é o agricultor, e Ele espera colher uva de nós.' (Prolegômenos).

O Brasil recebeu a árvore do Evangelho de Jesus que fora transplantada. A nossa missão é iluminar os corações, começando a tarefa pela nossa própria edificação íntima, porque ninguém conseguirá êxito na tarefa de modificar o mundo sem iniciar primeiro a própria transformação moral.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A MULHER EQUIVOCADA


O Evangelho narra que, naqueles dias de festa, havia grande tumulto nas ruas. Em dado momento, em meio a um grande alvoroço, um grupo de fariseus lançou aos pés de Jesus uma jovem mulher, flagrada em adultério.

Para o povo de Israel, a definição de adultério diferia entre homens e mulheres. Um homem só era acusado de adultério se mantivesse relações com uma mulher casada ou comprometida, pois entendia-se que, ao fazê-lo, ele agredia outro homem. Por outro lado, quando uma mulher cometia adultério, considerava-se que ela agredia o matrimônio.

A suspeita de adultério deveria ser submetida à prova da "água amarga". A mulher suspeita deveria ingerir uma bebida desagradável feita com pó coletado no Templo. Se ela vomitasse ou adoecesse após a ingestão, era considerada culpada.

Aquela mulher que os fariseus levaram até Jesus havia sido surpreendida em flagrante adultério. A pena para tal ato era a morte. Os fariseus a submeteram ao julgamento de Jesus. Na verdade, embora tivessem olhos atentos para todas as faltas alheias, o objetivo naquele momento era mais aproveitar o incidente para armar uma cilada ao Profeta de Nazaré do que zelar pela pureza do matrimônio.

Eles a jogaram no chão, e ela ali ficou, sem coragem sequer de erguer os olhos. Sabia que havia delinquido e conhecia a penalidade. Sabia, igualmente, que ninguém teria piedade dela. Ninguém, exceto Ele.

Enquanto a indagação dos fariseus aguardava uma resposta do Rabi sobre a pecadora, Ele se inclinou e traçou na areia do pavimento caracteres misteriosos.

O que Ele estaria escrevendo? O nome do cúmplice que havia fugido? O nome do marido que, ferido no orgulho, permitia que sua esposa fosse tão vilmente tratada?

Diversos intérpretes do texto evangélico narram que Ele estaria grafando a marca moral do erro de cada um dos presentes. Curiosos, aqueles que ali esperavam a sentença de morte, para se extasiarem no espetáculo de sangue e impiedade, podiam ler: "ladrão", "adúltero", "caluniador", etc. Em síntese, suas próprias mazelas morais.

A expectativa crescia. Jesus se ergueu e percorreu com o olhar perscrutador a turba dos acusadores, que sentiram ser atingidos em sua intimidade, e disse tranquilamente: "Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra."

 Em silêncio, os circunstantes começaram a se afastar, um a um, começando pelos mais velhos, pois os mais velhos carregam consigo uma maior soma de enganos e problemas, remorsos e amarguras.

No meio da indecisão geral, Jesus voltou a traçar na areia sinais enigmáticos. Quando o silêncio se instalou, Ele se levantou. Ali estava a mulher, à espera de seu castigo. Se todos os demais haviam partido, ela deveria esperar d'Ele a sentença e a execução.


O Divino Pastor considerou a fragilidade do ser humano e, compadecido com suas misérias morais, disse-lhe: "Mulher, onde estão aqueles que te acusavam? Ninguém te condenou?"

"Ninguém, Senhor", ousou responder, com a voz embargada.

Então, em vez do sibilar mortífero das pedras, ela ouviu as palavras de perdão e de vida: "Nem eu tampouco te condeno: vai e não peques mais!"

O espírito Amélia Rodrigues, no livro "Pelos Caminhos de Jesus", relata que, naquela noite, a mulher que errara procurou o Mestre na residência que o acolhia. Ela falou da fraqueza que a dominara nos dias de sua mocidade, sentindo-se sozinha.

O esposo, poucos dias após o matrimônio, retomara as noitadas alegres e despreocupadas com os amigos. Ela, sentindo-se carente, cedera ao cerco do sedutor, que a brindava com atenção e pequenos mimos. Nada disso a desculpava, ela reconhecia. E agora, consumada a tragédia, para onde iria? O esposo não a aceitaria de volta, especialmente após o espetáculo público. Também não poderia contar com a proteção paterna, pois fora levada à execração pública, não tendo recebido simplesmente uma carta de repúdio, o que poderia ter servido até como indenização ao seu pai, já que o marido que assim procedesse deveria devolver uma parte do dote da noiva ao sogro. Não havia lugar para ela em Jerusalém. O que seria dela, sozinha e desprotegida?

O Mestre lhe acenou com horizontes de renovação, discorrendo sobre como a memória do povo é duradoura em relação às faltas alheias. Ela sentiu, nas entrelinhas, que deveria buscar outros lugares, paragens onde não a conhecessem, nem ao drama que acabara de viver.

Na despedida, Jesus a confortou: "Há sempre um lugar no rebanho do amor para as ovelhas que retornam e desejam avançar. Onde quer que vás, eu estarei contigo, e a luz da verdade, no archote do bem, brilhará à frente, clareando o teu caminho."

Dez anos se passaram, e ei-la em Tiro, em uma casa humilde, onde acolhe peregrinos cansados e enfermos desamparados. Ela erguera ali um refúgio de amor. Jamais esquecera daquele entardecer e da entrevista noturna.

Tornara-se uma divulgadora da Boa Nova. De seus lábios brotavam espontaneamente referências ao Doce Rabi, alentando as almas, enquanto cuidava das chagas dos corpos doentes.

Foi em um final de tarde que lhe trouxeram um homem à beira da morte. Ela o lavou e tratou-lhe as chagas. Deu-lhe caldo reconfortante e, tão logo percebeu que ele estava aliviado das dores, ofereceu-lhe uma mensagem de encorajamento, em nome de Jesus.

Emocionado, ele confessou que conhecera o Galileu em um infausto dia em Jerusalém. Odiara-O, então, porque Ele salvara a mulher que cometera adultério, sua esposa, mas não tivera para com ele, o ofendido, nenhuma palavra.

O tempo fez com que ele refletisse sobre como se equivocara em seu julgamento. Confessou que, há algum tempo, vinha buscando a companheira, procurando-a em muitos lugares, sem êxito. Até que a doença visitou seu corpo, consumindo-lhe as energias.

Embargada pelas emoções desenfreadas naquele momento, a mulher se recordou da praça e do diálogo à noite com o Mestre, um decênio antes, reconheceu o companheiro do passado e, sem dizer-lhe nada, segurou-lhe a mão suavemente e o consolou: "...Deus é amor, e Jesus, por isso mesmo, nunca está longe daqueles que O querem e buscam. Agora durma em paz enquanto eu velo, porquanto, nós ambos já O encontramos.