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sábado, 31 de março de 2018

A ÚLTIMA CEIA


A tradição católica celebra a Paixão, Morte e a ressurreição de Jesus Cristo, em cerimoniais litúrgicos que em data definida no calendário católico, conhecida como Semana Santa. O Domingo de Páscoa, nessa tradição, é dedicado à celebração da ressurreição de Jesus, simbolizando, sobretudo, a vitória da vida sobre a morte.

A Páscoa judaica é uma das celebrações mais significativas para o povo judeu, pois marca a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, que se estendeu por aproximadamente quatrocentos anos. Notavelmente, os últimos dias de Jesus na Terra coincidiram com as festividades dessa Páscoa judaica

Jerusalém era uma cidade santa para o povo judeu, pois abrigava o grandioso Templo de Salomão, onde se realizavam as principais cerimônias religiosas. Por essa razão, durante as celebrações, a cidade se enchia de peregrinos. Pessoas de toda a Palestina partiam em romaria rumo a Jerusalém para participar das festividades da Páscoa, que se estendiam por oito dias.

No entanto, naqueles dias, Jesus, que era judeu, estava ausente de Jerusalém. Ele havia se dirigido com seus discípulos para Betânia, atendendo ao chamado de amigos muito queridos: Marta e Maria, irmãs de Lázaro.

As irmãs enviaram mensagem a Jesus, implorando sua presença, pois Lázaro estava gravemente doente (João 11, 1-3). Jesus, ao chegar em Betânia, descobre que Lázaro já estava no sepulcro há quatro dias e que seu corpo já exalava mau odor (João 11, 39)

Jesus, diante de um expressivo número de testemunhas, dirigiu-se ao sepulcro e ordenou: "Lázaro, sai para fora!" (João 11:43). Esse foi o milagre mais notável realizado por Ele. As pessoas presentes ficaram perplexas e maravilhadas. Nunca antes na história alguém havia feito algo semelhante. A notícia desse fenômeno espalhou-se rapidamente por toda a Palestina. Muitos viajaram até Betânia para verificar os fatos e se depararam com a extraordinária realidade: Lázaro estava vivo!

Jesus retorna a Jerusalém, cidade que estava repleta de pessoas devido às comemorações da Páscoa. Ao saber que Jesus estava a caminho de Jerusalém (João 12:12), o povo, em êxtase, entoou hinos e salmos, lançando ramos de palmeiras ao chão para criar um tapete verde em homenagem à passagem do rei. Após o milagre da ressurreição de Lázaro, o povo não tinha mais dúvidas: Jesus era o rei, o Messias esperado que viria para libertar os judeus do domínio romano.

Jesus entra na cidade, mas não da maneira tradicional da época, quando os reis, após vencerem guerras, faziam sua entrada triunfal montados em cavalos e corcéis majestosos. Jesus, o Príncipe da Paz, adentra a cidade montado em um jumento, simbolizando que sua vitória é sobre o mundo e que seu reino é fundamentado no amor e na paz.

Os fariseus já haviam decidido que Jesus deveria morrer (João 11:53-57), mas não se atreveram a prendê-lo diante do povo em êxtase. Era necessário capturá-lo em um momento de isolamento. Jesus, ciente de sua situação, não evitava os fariseus e sabia que sua hora de partir estava próxima (João 11:1). No entanto, Ele tinha um desejo ardente de celebrar a última ceia da Páscoa com seus discípulos (Lucas 22:11). Por isso, buscava um local seguro para se reunir com eles, longe dos olhares e mira farisaica. 

Jesus, então, envia Pedro e João às portas da cidade com uma missão: encontrar um homem carregando um cântaro. Esse homem os conduziria até sua casa, onde celebrariam a última ceia. O homem do cântaro, uma figura misteriosa cujo nome e origem não são registrados nos evangelhos, generosamente ofereceu sua casa para que Jesus e seus discípulos realizassem a celebração (Lucas 22:8-13). 

A última ceia, também conhecida como a ceia da Páscoa, nos legou inúmeros ensinamentos. A descrição desse momento nos quatro evangelhos é repleta de conteúdo espiritual, tão vasto que é desafiador enumerar todos os pontos sem tornar a leitura exaustiva. 

Por isso, selecionamos três tópicos para uma breve reflexão.

1- Na última ceia, Jesus anunciou a vinda do Consolador prometido, interpretado por alguns como a doutrina espírita. Conforme João 14:15-26: "Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre." (João 14:15) "Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito." (João 14:26). 

A doutrina espírita não foi concebida pelos homens do mundo, mas revelada ao mundo pelas vozes celestiais. Allan Kardec foi o instrumento escolhido por Jesus para codificar os ensinamentos oriundos do além. Da mesma forma que Moisés recebeu os Dez Mandamentos diretamente dos céus, Allan Kardec, com a ajuda de diversos médiuns, recebeu das esferas sublimes, cumprindo-lhe apenas sistematizar e codificar os conteúdos transmitidos pelos espíritos. 

O espiritismo representa a concretização da promessa feita por Jesus naquela última ceia. Pois, após Ele, nenhuma outra doutrina religiosa ou filosófica chegou à Terra proveniente dos céus.

O espiritismo reaviva os ensinamentos do Cristo, fornecendo a chave para a interpretação de diversos textos que, à primeira vista, parecem enigmáticos. Isso porque, naquela época, o mundo ainda não estava preparado para compreender todos os ensinamentos transmitidos pelo Senhor.

Foi necessário que a humanidade progredisse em conhecimentos filosóficos e científicos para adentrar nos ensinamentos profundos ministrados pelo Cristo. Esse avanço também foi crucial para a compreensão dos temas abordados nas cinco obras que compõem a doutrina espírita: "O Livro dos Espíritos", "A Gênese", "O Livro dos Médiuns", "O Céu e o Inferno" e "O Evangelho Segundo o Espiritismo".

2- Foi também naquela última ceia que Jesus destacou as duas maiores virtudes que a humanidade deve cultivar. Conjugadas nos verbos "amar" e "servir", elas habilitam o ser humano a aspirar à angelitude.

O verdadeiro amor é a manifestação de todas as outras virtudes. Quem ama, perdoa incondicionalmente. Quem ama demonstra paciência, tolerância, misericórdia, mansidão e é, ao mesmo tempo, pacífico e pacificador.

O apóstolo Paulo, ao abordar o tema do amor em sua primeira carta aos Coríntios, fez isso de maneira tão bela e profunda que sua mensagem foi transformada em versos e reverberou pelo mundo.“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como um bronze que ressoa ou como o prato que retine.  Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.  Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.

Naquela última ceia, Jesus disse aos discípulos: "Amai-vos uns aos outros. Não apenas como amais a vós mesmos, mas amai-vos ainda mais, como eu vos amei. Pois os meus discípulos serão reconhecidos por muito amarem." (João 13:34). Um discípulo de Jesus é identificado pela sua capacidade de amar os demais seres do mundo exatamente como eles são.

Deus ama todas as suas criaturas, do verme ao anjo, com igualdade. Seu amor é incondicional, abrangendo tanto o algoz quanto a vítima. No livro "Paulo e Estevão", psicografado por Chico Xavier e ditado pelo espírito Emmanuel, na última página, após o desencarne do apóstolo Paulo, Jesus, acompanhado de Estevão, vai ao encontro do espírito de Paulo. Ele lhe diz que é da vontade do Pai que verdugos e mártires se unam eternamente em Seu reino. O amor é a mais elevada conquista da criatura humana, essencial para a ascensão à angelitude.

No entanto, o amor é verbo que não se conjuga sozinho, pois quem ama serve.

Quando Jesus anunciou, naquela última ceia, sua partida e a iminente chegada do Reino de Deus, os discípulos começaram a debater sobre quem seria o maior nesse Reino. A situação foi descrita em Lucas 22:24-27. Jesus, então, esclareceu-lhes que, no Reino de Deus, o maior será sempre aquele que mais serve, que mais se dedica, e que auxilia a todos sem queixas.

"Amar" e "servir" são dois verbos que, quanto antes soubermos conjugar, mais felicidade e saúde alcançaremos. 

3- Também naquela última ceia, Jesus revelou a traição de Judas e a negação de Pedro. Estes episódios merecem profunda reflexão, pois representam dois arquétipos, dois padrões psíquicos universais intrínsecos à condição humana. Ao expor a negação e a traição diante daquela assembleia, Jesus empregava métodos terapêuticos buscando induzir Pedro e Judas à introspecção. Durante toda a ceia, através de suas palavras e ações, ambos projetavam sombras internas, aspectos ocultos do inconsciente que necessitavam ser trazidos à luz. 

Jesus os convoca a introspecção.

Tendo advertido Pedro, o diálogo com Judas adquiriu maior profundidade. Jesus captava as emanações perturbadoras da atmosfera psíquica de Judas e procurou socorrê-lo, agindo como um professor que facilita o processo de aprendizado do discípulo.

Jesus empenha-se em auxiliar Judas no processo de despertar, permitindo que o discípulo aproveite os últimos momentos ao seu lado e se liberte da letargia que o mantinha preso no mundo

Após anunciar que seria traído e que o traidor seria identificado ao qual desse um pedaço de pão, todos acompanharam o gesto de Jesus em direção a Judas (João 13,26). Todos escutaram quando o Mestre disse a Judas: "Faça logo o que você tem que fazer" (João 13,27). Judas levantou-se e foi negociar com os fariseus a entrega de Jesus. Seria esse o papel destinado a Judas? Era essa a intenção de Jesus em relação a Judas? Será que Judas veio ao mundo com esse propósito?

É óbvio que não. A frase dita por Jesus objetivou o despertar de Judas, com o fim de lembrá-lo de sua missão na Terra. Ninguém tem como missão cometer crimes, erros ou equívocos. Todos nós temos como missão vencer a nós mesmos, superando hábitos e costumes equivocados que adquirimos em encarnações passadas.

Judas estava completamente conectado com as ilusões do mundo material. Ele desejava que Jesus alcançasse o poder terreno. Ele acreditava firmemente que, ao entregar Jesus ao Sinédrio, isso resultaria em uma guerra civil e que sairiam vitoriosos. Isso se devia ao fato de que apenas algumas horas antes, a multidão em Jerusalém havia aclamado Jesus como o rei dos judeus (João 12,13).

Jesus decifra a intimidade de Judas e busca despertá-lo, pois Judas, assim como todos nós, tinha a missão de transformar sua perspectiva em relação ao mundo e a si mesmo.

Judas viveu ao lado de Jesus durante todo o seu ministério de amor. Recebeu o melhor alimento espiritual diretamente da fonte mais pura e, tendo nutrido o espírito, chegou o momento de realizar a tarefa que lhe foi designada.

Da mesma forma, somos como ele. Estamos recebendo alimento espiritual da fonte há quanto tempo? Há quanto tempo nos nutrimos do amor que extraímos das lições de Cristo? Para todos nós também chegou a hora de agir prontamente, realizando aquilo para o qual viemos ao mundo.

Há uma frase que diz que os dias mais importantes de toda nossa vida são dois; o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos o porquê nascemos. 

Sabemos que estamos neste mundo com o propósito de evoluir, um objetivo que somente pode ser alcançado através do autoconhecimento. Devemos permitir que as transformações ocorram, sempre utilizando Jesus como nosso ponto de referência, modelo e guia. Ele nos serve como inspiração e direção na busca por nos tornarmos melhores versões de nós mesmos.

Chega o momento para todos nós de realizar esse trabalho de forma rápida, depressa, deixando para trás as ilusões do mundo e voltando-nos para o nosso interior. Já gastamos muito tempo e energia na busca por conquistas materiais que, eventualmente, serão consumidas pelo tempo. Isso é apenas uma questão de tempo!

Assim como Judas, se continuarmos presos a ilusões, também trairíamos Jesus através de nossa inércia. A inércia se configura como traição daqueles que não se movem em direção à transformação moral, sendo que viemos a este mundo justamente para cumprir essa tarefa. Se não agirmos rapidamente para realizar aquilo para o qual viemos, a oportunidade passará, a encarnação passará, e encerraremos nossa jornada com a sensação de falha, acreditando que traímos nosso projeto encarnatório e, ainda mais dolorosamente, que traímos Jesus.

Quando perguntaram a Chico Xavier qual era a maior a dificuldade que os espíritos enfrentam após a morte, respondeu a maior antena psíquica que o mundo já conheceu: A questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A CARIDADE E A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO



Certa vez, ao ser interrogado por um doutor da lei sobre quem seria seu próximo, Jesus poderia, simplesmente, ter explicado que o próximo é todo aquele que se aproxima de nós. No entanto, Ele preferiu contar uma parábola rica em ensinamentos, de modo que, ao nos recordarmos dela, todo o seu conteúdo nos venha à mente, e jamais nos esqueçamos dessa referência valiosa.

Então, para responder aos discípulos, narrou Jesus: -

"Descia um homem de Jerusalém para Jericó quando caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando aquele lugar, vendo-o, passou de largo. Mas, um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar”.

Ao terminar de narrar a história, Jesus se volta aos discípulos e lhes propõe: "Quem foi o próximo do homem caído?"

Naturalmente, os discípulos já não tinham mais dúvidas sobre quem era o próximo do homem caído.

A parábola se inicia fazendo referência ao movimento de um homem: ele descia de Jerusalém a Jericó.

É interessante a utilização do verbo "descer", quando o mais natural seria dizer que o homem ia ou viajava de Jerusalém a Jericó.

Todavia, Jerusalém é uma cidade alta na Judeia, enquanto Jericó está situada mais abaixo. Geograficamente, qualquer pessoa que vai de Jerusalém a Jericó estará, de fato, descendo.

Ocorre que há uma simbologia envolvendo as cidades de Jerusalém e Jericó, revelando que Jesus Cristo quis nos transmitir muito mais.

Para os judeus, a cidade de Jerusalém possuía uma simbologia especial, sendo considerada sagrada e santa. Era lá que estava localizado o maior templo judaico, o Templo de Salomão, que foi destruído várias vezes ao longo da história. Ainda hoje, os judeus lamentam a queda do templo junto à única parede que restou dele, conhecida mundialmente como o Muro das Lamentações.

Jerusalém era, portanto, a cidade mais sagrada de toda a Judeia, correspondendo, nas devidas proporções, ao que o Vaticano representa para os católicos nos dias de hoje. Foi por isso que Jesus mencionou que o homem descia de Jerusalém; Ele poderia ter dito que o homem descia de qualquer outra cidade alta da Judeia, mas escolheu referenciar a mais relevante, a capital espiritual do Judaísmo.


Por outro lado, Jericó era a cidade mais próspera da Judeia, sendo o centro dos negócios, dos cambistas e dos grandes mercados, onde ocorriam trocas de dinheiro e onde residiam as grandes personalidades do mundo dos negócios. Seria, numa comparação com os dias de hoje, como a cidade de São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, enfim, uma dessas cidades onde o dinheiro circula com facilidade.

Por isso, quando Jesus cita Jerusalém, Ele se refere a uma cidade espiritualizada e, ao mencionar Jericó, Ele evoca uma cidade ligada às coisas materiais, ao dinheiro, ao poder, sem vínculo com as questões espirituais.

Neste cenário, destaca-se a referência à "descida". É a descida vibratória a que Jesus se referia, e não meramente geográfica. Qualquer um que deixa Jerusalém em busca de Jericó está, espiritualmente, baixando sua vibração; pois qualquer pessoa que abandona os interesses espirituais para buscar os prazeres materiais realiza um movimento de descida. E, nessa descida vibratória, todo e qualquer caminhante sofre assaltos da perturbação, fica tombado, sob obsessão, necessitando do auxílio alheio, do socorro de terceiros. Isso porque, na maioria das vezes, a criatura caída, tombada, assaltada, obcecada pelo caminho que escolheu, não consegue, por si só, sair do estado em que se encontra.

Pontuando sua narrativa para nos deixar profundos ensinamentos, Jesus ressalta que o homem tombado, assaltado, caído à beira da estrada, precisa de ajuda. Então, Ele elege, coincidentemente, o sacerdote para ser o primeiro a encontrar o necessitado.

Não foi por acaso que Jesus mencionou o sacerdote. Para o judaísmo, o sacerdote era um dos indivíduos que viviam a intimidade dos conhecimentos da maior sinagoga. Ele detinha o conhecimento das coisas espirituais, embora esses conhecimentos ainda não tivessem despertado sua sensibilidade, como frequentemente acontece. Existem pessoas repletas de sabedoria e conhecimento, saturadas de conteúdo, mas que não vivenciam esses conhecimentos.

É interessante observar que a doutrina espírita, na questão 780, nos ensina que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual, embora decorra deste. Ao adquirir conhecimentos, é importante aplicá-los e vivenciá-los. Contudo, há muitos que possuem o conhecimento mas não o vivem. Por isso, o sacerdote, que sabia tantas coisas de Deus, viu o homem caído na estrada e não se sensibilizou a ponto de socorrê-lo.

Logo depois, prossegue Jesus, vinha um levita. Mas o que era um levita? Era também um sacerdote do templo, de um grau mais avançado que o primeiro. O levita era o sacerdote que reunia um profundo conhecimento da legislação judaica. Era um homem muito culto e respeitado na sociedade judaica. No entanto, apesar de sua cultura, amparar e socorrer um caído no caminho não era para ele, evidenciando assim que todo o conhecimento que acumulava não lhe tocava o coração.

Assim, Jesus, que jamais pronunciou uma palavra que não tivesse um profundo sentido, se vale de uma situação histórica do povo judeu para contar que, depois dos dois sacerdotes, vinha um samaritano. O Mestre poderia ter dito apenas que, depois dos sacerdotes, cheios de conhecimento e sem tempo para socorrer o caído no caminho, vinha um homem. Poderia ter dito que era um homem desconhecido, mas Ele especificou que foi um Samaritano. Mas por que um Samaritano? Não foi por acaso que Jesus escolheu um Samaritano para praticar a maior caridade para com o próximo do caminho.

É que havia uma rixa muito grande e secular entre judeus e samaritanos. Ambos procediam do mesmo tronco, da mesma raça, mas entre esses dois povos havia um desentendimento quanto à forma de adorar a Deus. Os judeus, que adoravam a Deus no Templo de Salomão, na maior sinagoga, nutriam um grande desprezo pelos samaritanos, considerados pessoas vulgares, da pior espécie, porque os samaritanos adoravam a Deus no Monte Gerizim e não no templo maior.

Por isso, Jesus utilizou um samaritano para ser o personagem caridoso, com a missão de socorrer o próximo. Ele poderia ter se referido a um homem de qualquer outra cidade, mas fez questão de mencionar alguém de Samaria. Jesus quis mostrar que aquele homem, contra quem os judeus tinham todas as reservas, possuía um coração capaz de servir.

Com isso, Jesus quis ensinar que o importante não são as coisas materiais que possuímos, não é a roupa que vestimos, não é o título que ostentamos, mas sim a realidade que vivemos em nosso interior. Aqueles dois sacerdotes eram indivíduos de alta consideração na sociedade da época, diante dos quais o povo prestava todas as honras. Por isso, Jesus retrata os nobres da Terra, os respeitáveis da Terra, como insensíveis, e alguém que é malvisto no mundo como alguém capaz de prestar serviço ao próximo.

Infelizmente, a humanidade ainda hoje se conduz de maneira semelhante, pois os valores que se atribuem às pessoas que se vestem bem, que ostentam posição social elevada, que possuem títulos sociais e acadêmicos, não são os mesmos atribuídos às pessoas que se vestem de maneira simples e que têm uma apresentação social mais humilde. 

Quantas vezes nos deparamos com pessoas necessitadas de socorro, precisando de auxílio, e fingimos que não as vemos, porque o necessitado só nos trará trabalho. Quantas vezes, ao encontrarmos em nosso caminho alguém em necessidade material ou em desequilíbrio psíquico, nos desviamos, como fizeram os sacerdotes. Temos conhecimentos que adquirimos com a doutrina espírita, mas não estamos impregnados com o conhecimento adquirido e, diante do necessitado que se apresenta a nós, não temos tempo para auxiliá-lo, pois temos nossos afazeres, assim como tinham o sacerdote e o levita, mencionados por Jesus na parábola.

Mas o samaritano, ao encontrar o necessitado, ferido, caído, desceu de sua montaria e limpou suas feridas. Poderia ter deixado o ferido ali; afinal, o samaritano já lhe prestara os primeiros socorros. Poderia ter voltado para seu cavalo e continuado sua viagem. Já tinha feito sua parte. Assim como nós fazemos, diante de alguém em necessidade que nos pede auxílio. Se é alguém com fome, damos-lhe um prato de comida; se é alguém em sofrimento, oferecemos-lhe uma palavra confortadora; se é alguém com frio, vestimos a pessoa, cumprindo assim a nossa parte.

No entanto, a proposta do Evangelho vai além. Jesus deseja que nossas ações diante do próximo sejam movidas por caridade e não se limitem a mera assistência. E a caridade requer acompanhamento. Assim, o Mestre prossegue a narrativa, dizendo que o samaritano, além de cuidar das feridas do homem, levou-o a uma hospedaria. Deu ao estalajadeiro dinheiro para cuidar do enfermo e ainda assegurou que qualquer gasto adicional com o socorrido seria ressarcido. Eis o acompanhamento a que Jesus se referia. Não basta apenas atender ao necessitado; é preciso cuidar dele, fazer com que ele sinta que pensamos nele, que nos preocupamos com ele e que desejamos intensamente o seu bem. Esse é o verdadeiro sentido da caridade, conforme Jesus nos ensinou.